UE-Mercosul: O acordo de 780 milhões de consumidores – Entenda o maior pacto de comércio e o desafio da "concorrência verde"
O Acordo de Associação entre a União Europeia (UE) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul) representa a culminação de mais de 25 anos de negociações e está na reta final para ser formalizado. Lideranças como a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, expressaram confiança na sua assinatura iminente, vista como um passo estratégico para o comércio global baseado em regras.
Status atual da negociação (Contexto complementar)
As negociações técnicas sobre o acordo comercial e um instrumento adicional (o side letter ou adendo) foram concluídas, e o texto está pronto.
- Reta final: A Comissão Europeia validou o texto final e o submeteu à análise dos Estados-membros, representados no Conselho Europeu.
- Expectativa de assinatura: Há um forte empenho político de ambos os lados para que o acordo seja assinado, possivelmente em dezembro, durante a presidência brasileira do Mercosul.
- Próximos passos: Após a assinatura, o acordo será submetido à aprovação (ratificação) pelos legislativos de cada país-membro do Mercosul e pelo Parlamento Europeu. A parte econômica e comercial pode entrar em vigor provisoriamente após a aprovação por uma maioria qualificada no Conselho Europeu (15 países que representem 65% da população da UE) e pelo Parlamento Europeu.
O gigante econômico: O impacto estratégico do acordo
O Acordo UE-Mercosul é mais do que um tratado tarifário; é uma aliança geopolítica e econômica de grande escala.
Aliança de números colossais
- Mercado integrado: Cria uma das maiores zonas de livre-comércio do planeta, unindo a UE (27 países) e o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai).
- População total: Abrange um mercado de cerca de 780 milhões de consumidores.
- Sinal geopolítico: Envia uma mensagem global a favor do comércio multilateral e baseado em regras, em um momento de tensões e protecionismo internacional.
Acesso preferencial e redução de barreiras
O cerne do acordo é a eliminação progressiva de tarifas de importação para a vasta maioria dos bens.
- Mercosul reduz tarifas: Eliminará impostos sobre 91% dos produtos europeus, em um prazo de até 15 anos. Isso inclui setores-chave como automóveis (atualmente com 35% de imposto), vinhos (17%) e bebidas alcoólicas (20% a 35%).
- União Europeia reduz tarifas: Eliminará impostos para 92% das exportações do Mercosul, com prazos de até 10 anos.
- Parceiro estratégico: A União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do Brasil e o maior investidor estrangeiro no país. O acordo visa dinamizar fluxos de investimento e modernizar a indústria brasileira.
Equilíbrio de interesses: Setores sensíveis e cotas específicas
Para proteger setores vulneráveis e equilibrar a concorrência, o acordo utiliza um sistema de cotas.
Regras para a agricultura e setores sensíveis
- Carne Bovina (UE): A União Europeia abrirá uma cota adicional de 99 mil toneladas para a carne bovina do Mercosul com tarifa reduzida ou zero.
- Queijos (Mercosul): O Mercosul concederá à Europa uma cota livre de impostos para queijos (30 mil toneladas), entre outros produtos.
Valorização da qualidade e autenticidade
- Proteção de indicações geográficas (IGs): O acordo protege 355 Indicações Geográficas (IGs) europeias, garantindo que produtos tradicionais como o queijo Parmigiano Reggiano e o presunto de Parma só possam usar seus nomes se vierem de suas regiões de origem. Isso combate a imitação e valoriza a autenticidade.
O foco da controvérsia: Padrões ambientais e concorrência leal
As negociações finais foram dominadas pelo tema da sustentabilidade e dos padrões de produção.
Compromissos climáticos
- Sustentabilidade em destaque: O acordo inclui um capítulo robusto sobre comércio e desenvolvimento sustentável, reafirmando o compromisso de ambos os blocos com o Acordo de Paris e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
A demanda por "concorrência justa"
- Protecionismo verde: Setores do Mercosul acusam as rigorosas exigências ambientais da Europa de servirem como uma barreira comercial (o chamado "protecionismo verde").
- A posição da UE: A União Europeia, através de Von der Leyen, defende a "concorrência justa", argumentando que deve haver "condições equitativas" (level playing field). Isso implica que os produtos importados devem cumprir os mesmos altos padrões ambientais e trabalhistas exigidos dos produtores europeus, especialmente para garantir que nenhum lado obtenha uma vantagem injusta ao reduzir seus padrões.
Oposição e salvaguardas
- Resistência na Europa: A oposição, notavelmente da França e de setores agrícolas europeus, tem sido intensa, temendo a entrada de commodities mais baratas que, segundo eles, não seguem os mesmos padrões de segurança alimentar e ambientais da UE.
- Mecanismos de proteção: A Comissão Europeia prometeu incluir mecanismos de salvaguarda e o instrumento adicional para garantir o cumprimento das regras climáticas e proteger os agricultores locais.
A iminente conclusão do Acordo UE-Mercosul transcende a mera liberalização tarifária. É um projeto geopolítico estratégico que unirá dois continentes sob a égide do comércio baseado em regras. Seu sucesso dependerá da capacidade de ambos os blocos de harmonizar o acesso a mercados com os mais altos padrões de sustentabilidade e concorrência leal. Se ratificado, este pacto não apenas remodelará o comércio global, mas solidificará uma parceria crucial em um mundo em transformação, enviando um poderoso sinal sobre a viabilidade da cooperação internacional para o crescimento econômico e a estabilidade.
