Eurovision vs. Intervision: A guerra fria musical que voltou com Brasil e EUA no palco

O cenário musical internacional está prestes a testemunhar um evento significativo. No sábado, 20 de Setembro de 2025, a Rússia irá relançar o festival Intervision, um concurso musical historicamente rival do Eurovision. Esta iniciativa surge três anos após a expulsão da Rússia do concurso europeu, consequência direta da invasão em grande escala da Ucrânia em 2022. O evento não é apenas um espetáculo musical; é uma janela para as mudanças nas alianças geopolíticas e culturais no cenário global contemporâneo.
O contexto geopolítico e os objetivos do relançamento
A principal razão para o renascimento do Intervision é a exclusão da Rússia do Eurovision pela União Europeia de Radiodifusão (UER). Especialistas como Bárbara Barreiro León, da Universidade de Aberdeen, explicam que o Eurovision era uma plataforma valiosa para a Rússia projetar seus valores culturais e políticos. Com essa porta fechada, o Kremlin busca criar sua própria plataforma.
- O Intervision serve como um instrumento de soft power e propaganda, permitindo que a Rússia exporte sua visão de mundo e contraste com os valores ocidentais, especialmente os de nações que apoiam a Ucrânia.
- É uma ferramenta para estreitar laços diplomáticos com nações alinhadas ou neutras em relação à sua política externa, focando principalmente nos países do Brics e outros aliados estratégicos.
- Apesar de os organizadores afirmarem que "não é uma iniciativa política", historiadores como Dean Vuletic argumentam que, por ter sido criado por decreto presidencial, o evento é inerentemente político. O Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia já o classificou como um "instrumento de propaganda hostil".
Os valores em concorrência e o posicionamento cultural
- O Intervision 2025 posiciona-se deliberadamente como uma alternativa cultural ao Eurovision. Enquanto o concurso europeu é conhecido por sua celebração da diversidade e inclusividade, notadamente da comunidade LGBTQ+, o novo Intervision declara promover "valores tradicionais universais e familiares" e "ideais espirituais".
- Este contraste é acentuado pelo recente endurecimento da legislação russa contra a comunidade LGBTQ+, incluindo a designação do "movimento público internacional LGBT" como organização extremista em 2023. O festival, portanto, reflete e promove a agenda de valores conservadores do Estado russo.
Os participantes: Um mapa das novas alianças
A lista de participantes é um reflexo claro da reorientação da política externa russa. Inclui:
- Todos os membros fundadores do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
- Países da América Latina com governos alinhados à Rússia, como Venezuela, Cuba e Colômbia.
- Antigas repúblicas soviéticas que mantêm relações positivas com Moscou, como Belarus, Cazaquistão e Tajiquistão.
- Nações de outras regiões com laços fortalecidos, como Egito, Etiópia, Catar, Arábia Saudita e Sérvia.
- A Rússia será representada por Shaman (Yaroslav Dronov), um cantor pop conhecido por seus hinos pró-guerra.
A participação inusitada dos Estados Unidos
A inclusão de uma artista dos Estados Unidos, a cantora de dance music Vassy (Vasiliki Karagiorgos), é um ponto de grande curiosidade. Analistas notam que sua participação parece ser independente, sem o aval de qualquer agência governamental americana. O fato de ela ter expressado apoio aos direitos LGBTQ+ no passado gera um paradoxo em relação aos valores declarados do festival. A substituição de outro artista americano, Brandon Howard, reforça a ideia de uma participação fragilizada e não oficial, podendo impactar a reputação dos artistas envolvidos.
Uma breve história do Intervision
O Intervision não é uma criação totalmente nova. Ele existiu durante a Guerra Fria:
- Primeira fase (1965-1968): Realizado na então Tchecoslováquia como rival direto do Eurovision.
-** Segunda fase (1977-1980):** Retomado na Polónia, com participação inclusive de artistas ocidentais, como a famosa banda Boney M., que performou o hit "Rasputin" em 1979.
A Rússia só aderiu ao Eurovision em 1994, após a queda da União Soviética, e venceu pela primeira vez em 2008.
A mecânica do concurso e o prêmio
O formato do Intervision difere do seu rival europeu em aspectos fundamentais:
- Escolha dovencedor: O vencedor será escolhido exclusivamente por um júri profissional no estúdio, eliminando o voto do público, que é uma característica central do Eurovision.
- Prêmio monetário: Ao contrário do Eurovision, que oferece apenas troféu e prestígio, o Intervision oferecerá um prêmio substancial em dinheiro:
30 milhões de rublos (aproximadamente R$ 1,9 milhão).
O futuro e a viabilidade do festival
Há planos para que o Intervision se torne um evento anual. No entanto, especialistas são cautelosos. O sucesso de longo prazo dependerá de sua capacidade de atrair um público global. Até o momento, as visualizações online das canções participantes são baixas, especialmente quando comparadas ao frenesi multimilionário do Eurovision. Dean Vuletic sugere que, independente do engajamento do público, a Rússia pode considerar o evento bem-sucedido simplesmente por demonstrar sua capacidade de realizar um grande evento internacional despite das sanções econômicas.
Muito mais que música
O relançamento do Intervision é um fenômeno complexo que transcende o entretenimento. É um sintoma claro da fragmentação do cenário global em blocos geopolíticos e culturais distintos. O festival funciona como um palco onde a Rússia busca validar sua esfera de influência, promover seus valores conservadores e contestar a hegemonia cultural ocidental, personificada pelo Eurovision. Seu legado será medido não apenas pelas músicas que produz, mas pelo seu sucesso em ressoar como um instrumento de poder brando e uma alternativa cultural viável no século XXI. O evento deste sábado será o primeiro teste crucial para essa ambição.
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