Guerra fria 2.0 no 'quintal': Como Trump usa dinheiro e músculo militar para expulsar a China da América do Sul
Após um período de relativa negligência, a América do Sul ressurgiu como prioridade máxima na política externa dos Estados Unidos, marcando uma guinada estratégica e assertiva no segundo mandato do Presidente Donald Trump a partir de 2025. Este reposicionamento, caracterizado por gestos de força e apoio seletivo, levanta a questão central: Por que o continente sul-americano se tornou um campo de batalha estratégico e quais são os objetivos reais de Washington?
Estratégia de força e influência: A política do "cenoura e porrete"
A nova abordagem americana é pragmática e coercitiva, concretizada em ações que combinam incentivos financeiros robustos com medidas punitivas severas.
- Incentivo a aliados ideológicos - Argentina: A administração Trump demonstrou claro favoritismo ao conceder um auxílio massivo de 20 bilhões de dólares à Argentina, liderada pelo presidente Javier Milei, um aliado ideológico declarado. O objetivo explícito é usar o sucesso da Argentina como um "exemplo" de alinhamento com a agenda americana, influenciando outras nações da região.
- Coerção contra parceiros em desalinho: Brasil e Colômbia A política de "porrete" foi aplicada a nações que não se alinharam. Impôs-se uma tarifa de importação de 50% sobre produtos brasileiros, uma medida interpretada como pressão para influenciar o processo judicial contra Jair Bolsonaro. Simultaneamente, o presidente colombiano Gustavo Petro, e seu governo, foram alvos de sanções diretas.
- Ação militar no Caribe: Dissuasão e Demonstração de Força A demonstração de força militar escalou com o deslocamento extraordinário de porta-aviões e aeronaves para o Caribe. Embora justificada oficialmente como uma ofensiva contra o narcotráfico, analistas concordam que a ação visa primariamente a intimidação de governos de esquerda, notadamente o regime de Nicolás Maduro na Venezuela, incluindo bombardeios a navios suspeitos de tráfico.
Os pilares da reafirmação americana: Por que a América do Sul é crucial?
O foco estratégico de Trump é impulsionado por motivações interligadas de natureza geopolítica e econômica.
- O grande confronto - Neutralizar a ascensão da China: Para muitos especialistas, esta é a razão primordial. A América do Sul se consolidou como uma zona de influência econômica chinesa, tornando a reversão deste quadro o ponto central da estratégia americana. Trump deixou claro que não tolerará acordos militares entre países sul-americanos e Pequim, vendo o continente como um teatro vital na competição global.
- Garantia econômica - Controle de recursos críticos e minerais: A região é fundamental para a segurança econômica dos EUA devido à sua riqueza em minerais críticos e terras raras. Washington busca estabelecer cadeias de abastecimento seguras e confiáveis, longe do controle de potências rivais, essenciais para a indústria de alta tecnologia.
- Projeto ideológico - Construindo um bloco de aliados: Conservadores Há um claro desejo de criar um bloco de países politicamente afins, com o apoio a líderes conservadores (como Milei) e oposição a eleitores de tendências centristas ou esquerdistas. O objetivo é reafirmar a liderança americana através de um alinhamento ideológico regional.
- O foco não declarado - Desestabilização de regimes adversários: Embora o combate ao narcotráfico seja a justificativa oficial, há um consenso de que o objetivo não declarado das ações militares é a desestabilização e eventual queda do governo de Nicolás Maduro na Venezuela, um adversário histórico de Washington.
Obstáculos no caminho: Os desafios da nova hegemonia
Apesar da assertividade, a estratégia de Trump enfrenta realidades complexas na região que podem comprometer seu sucesso.
A inércia chinesa - Laços econômicos orreversíveis? A China mantém um profundo e sólido compromisso comercial com a América do Sul, sendo o principal parceiro econômico de muitos países. Reverter anos de parcerias e a influência do peso comercial de Pequim é considerado um desafio "muito difícil" pelos analistas.
- Fragilidade da abordagem - Uma estratégia transacional e limitada: A política americana é criticada por ser "transacional e geograficamente limitada", carecendo de uma estratégia hemisférica coesa. Isso significa que as ações são feitas caso a caso, baseadas em interesses imediatos, o que pode minar a eficácia e a confiança dos parceiros a longo prazo.
- Danos colaterais - Tensão com aliados históricos: A imposição de tarifas ao Brasil e as sanções à Colômbia, um dos parceiros mais tradicionais dos EUA, demonstram que a abordagem agressiva corre o risco de prejudicar cooperações antigas e vitais, inclusive no próprio combate ao narcotráfico.
O palco da disputa global e a oncógnita do sucesso
A intensa e repentina atenção de Donald Trump à América do Sul marca o fim do desinteresse americano e estabelece o continente como um palco decisivo na disputa global por poder e influência, principalmente contra a China. A estratégia busca reafirmar a primazia dos EUA em seu "quintal estratégico" através de uma combinação de incentivos e coerção. Contudo, o sucesso não é garantido, pois esbarra na complexidade de uma região com laços globais profundos e agendas próprias, tornando a reconfiguração da ordem mundial na América do Sul um cenário altamente competitivo e imprevisível.
