O Estado refém: Como o "Comando Vermelho" dominou a cúpula da Alerj e o judiciário do Rio
As investigações recentes revelam uma mudança estrutural no crime organizado fluminense. Se antes a corrupção limitava-se a vazamentos no baixo escalão policial, o cenário atual aponta para o "Estado capturado", com o Comando Vermelho (CV) alcançando a presidência da Assembleia Legislativa (Alerj) e a segunda instância do Judiciário.
O núcleo político e judiciário investigado
A operação autorizada pelo Ministro Alexandre de Moraes (STF) atingiu figuras centrais dos três poderes estaduais.
Os protagonistas da crise
- Rodrigo Bacellar (União) - Presidente da Alerj: Foi preso no início de dezembro e solto cinco dias depois sob medidas cautelares (tornozeleira eletrônica, afastamento da presidência e recolhimento domiciliar). É acusado de obstruir investigações para proteger aliados do CV.
- Macário Ramos Júdice Neto - Desembargador do TRF-2: Apontado como o informante que vazava operações sigilosas. Possui histórico anterior de afastamento por suspeitas de venda de sentenças.
- TH Joias (MDB) - Deputado Estadual e pivô do escândalo: Acusado de ser membro efetivo do Comando Vermelho, atuando na lavagem de dinheiro e logística de armas.
A mecânica do crime: Vazamentos e proteção
A Polícia Federal (PF) mapeou como a informação fluía para proteger os interesses da facção criminosa.
O ciclo do vazamento
- A origem: O desembargador Macário Ramos, relator de processos no TRF-2, tinha acesso privilegiado às ordens judiciais.
- O repasse: Macário informava Rodrigo Bacellar sobre operações iminentes. Mensagens indicam intimidade entre ambos, tratando-se como "irmãos".
- O alerta final: Bacellar avisava os alvos. No caso de TH Joias, a PF interceptou orientações explícitas de Bacellar para que o deputado "limpasse" sua casa antes da chegada da polícia.
- Evidência: Vídeo enviado por TH Joias a Bacellar mostrando o esvaziamento do imóvel, brincando sobre não conseguir levar "as carnes".
Manobras institucionais
Para blindar TH Joias politicamente, houve movimentações no Executivo e Legislativo:
- O governador Cláudio Castro demitiu o secretário Rafael Picciani na manhã da operação.
- Picciani retornou ao mandato de deputado, o que retirou TH Joias (suplente) do cargo momentaneamente.
- Objetivo: Impedir que a Alerj precisasse votar a cassação ou manutenção da prisão de TH Joias, desvinculando a imagem da Casa do escândalo.
O impacto no governo Cláudio Castro
A relação entre o governador e o presidente da Alerj era o pilar da governabilidade no Rio de Janeiro, com reflexos diretos na Segurança Pública.
Interferência na Polícia Civil
Bacellar exercia influência direta na nomeação de cargos estratégicos:
- Troca de comando: Pressionou pela saída do secretário José Renato Torres para nomear o delegado Marcus Amim.
- Mudança na lei: Para viabilizar a nomeação de Amim, a Lei Orgânica da Polícia Civil foi alterada, reduzindo a exigência de tempo de serviço de 15 para 9 anos.
Sucessão e governabilidade
- Plano político: Existia um acordo para que Cláudio Castro disputasse o Senado em 2026. Com a saída do vice-governador Thiago Pampulha para o Tribunal de Contas (TCE), Bacellar (como presidente da Alerj) seria o sucessor natural no governo estadual.
- Contaminação do executivo: Além de Bacellar, investigações atingiram secretarias estaduais. Alessandro Pitombeiro Carracena (Subsecretaria de Defesa do Consumidor) foi preso acusado de repassar informações ao CV.
A expansão territorial e as Facções
O cenário criminal no Rio de Janeiro apresenta uma reconfiguração de poder e alianças.
- Comando Vermelho (CV): Mostra-se hegemônico não apenas no controle territorial, mas na infiltração política de alto nível.
- Terceiro Comando Puro (TCP): Consolida-se como terceira força, também buscando braços políticos (como no caso do vereador Ernane Aleixo, preso por dar suporte logístico à facção).
- Milícias: Embora ainda fortes, enfrentam recuos e disputas internas, enquanto o tráfico adota táticas de milícia (infiltração política e econômica).
O caso da Baixada Fluminense
A política municipal também foi infectada:
- Marcos Aquino (Republicanos): Vereador mais votado de sua cidade, preso em flagrante durante operação contra seu irmão, apontado como líder local do CV.
- Ernane Aleixo (PL): Vereador acusado de fornecer máquinas para a construção de barricadas do tráfico.
Status atual das investigações (Dezembro de 2025)
- Rodrigo Bacellar: Solto, mas afastado das funções e monitorado. Defesa alega que não houve obstrução.
- Macário Ramos: Sob investigação, nega ter vazado informações ou encontrado Bacellar na data citada.
- TH Joias: Preso. Defesa questiona o acesso aos autos.
- Cláudio Castro: Não foi indiciado, mas seu governo sofre desgaste severo devido à proximidade com os alvos e à instabilidade na linha sucessória.
O cenário atual revela que o crime organizado no Rio de Janeiro deixou de ser um poder paralelo para se tornar um poder infiltrado, onde as fronteiras entre o tráfico e as instituições de Estado tornaram-se praticamente invisíveis. Daqui em diante, o ponto crucial é observar se o avanço das investigações sobre o Comando Vermelho provocará um efeito dominó por meio de delações premiadas, capazes de expor o restante da rede de "agentes políticos" que ainda operam nas sombras, ou se a profundidade dessas raízes institucionais será suficiente para regenerar o esquema e manter a política fluminense sob o controle das facções.
