O gigante de pés de barro: Fuzileiros dos EUA vs. Milicianos de Maduro – O risco real de conflito na Venezuela e a posição do Brasil
A recente chegada do porta-aviões nuclear USS Gerald R. Ford ao Caribe, em novembro de 2025, elevou as tensões entre os Estados Unidos e a Venezuela a um ponto crítico. Este movimento, considerado a maior presença militar dos EUA na região desde 1989, ocorre em meio a acusações contra o presidente Nicolás Maduro. Em resposta, a Venezuela intensificou suas movimentações militares, gerando a urgente necessidade de analisar sua real capacidade de defesa e os possíveis cenários de reação.
Poder militar convencional da Venezuela: Uma visão detalhada
A capacidade de defesa venezuelana é uma complexa combinação de números impressionantes e graves deficiências operacionais.
Efetivo e força humana
- Núcleo ativo: As Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB) contam com aproximadamente 123 mil soldados ativos.
- Apoio de milícias: O efetivo é substancialmente inflado por cerca de 220 mil milicianos e 8 mil reservistas.
- Controvérsia de voluntários: O governo alega ter um número colossal de 8 milhões de "voluntários". Contudo, especialistas, como o ex-diplomata James Story, questionam essa cifra, citando a baixa
Força aérea e equipamentos estratégicos
- Caças de elite: A Força Aérea possui cerca de 20 caças Sukhoi Su-30 de fabricação russa. Estas aeronaves são tecnologicamente superiores a praticamente qualquer outro caça na América do Sul.
- Frota envelhecida: A frota inclui antigos caças F-16 comprados dos EUA nos anos 1980. A maioria estaria inoperante, com especialistas estimando que apenas "um ou dois" estariam em condições de voo.
- Defesa antiaérea: O país possui um arsenal de defesa aérea russa:
- Mísseis portáteis: Cerca de 5.000 mísseis Igla-S (MANPADS), com aproximadamente 700 lançadores.
- Sistemas complexos: Sistemas mais sofisticados, como o Pantsir-S1 e o Buk-M2E, que representam uma ameaça.
- Problema crônico: A eficácia desses sistemas é severamente comprometida pela falta de manutenção e escassez de peças de reposição.
Tecnologias assimétricas e Marinha
- Drones nacionais: A Venezuela desenvolveu drones de ataque (ANSÚ-100 e 200), baseados em tecnologia iraniana, buscando uma vantagem em guerra não-convencional.
- Parceria iraniana: Recebeu do Irã lanchas rápidas Peykaap-III equipadas com mísseis antinavio.
- Fragilidade naval: A Marinha é considerada o ramo mais fraco das forças, com limitações significativas em termos de capacidade de projeção e defesa costeira.
Cenário de resposta: Discrepância entre o plano e a realidade
A análise da capacidade real de resposta revela uma grande diferença entre o arsenal teórico e a prontidão operacional.
Deficiências operacionais e vulnerabilidade tecnológica
- "Arsenal de papel": Analistas, como Andrei Serbin Pont, afirmam que grande parte do arsenal existe apenas em teoria. A baixa disponibilidade operacional é um fator limitante.
- Obsolescência: Sistemas mais antigos, como o antiaéreo Pechora (da década de 1960), seriam "facilmente" neutralizados pela tecnologia de guerra eletrônica e ataque dos EUA.
- Desafio direto: O Exército convencional venezuelano não teria condições de enfrentar as Forças Armadas dos EUA em um conflito simétrico ou direto.
A estratégia de guerra assimétrica e de dissuasão
A estratégia de Maduro se baseia na dissuasão, tornando uma intervenção muito custosa politicamente para Washington, através da ameaça de uma guerra prolongada.
- Doutrina de resistência: O governo adota a doutrina de "periodização da guerra", que prevê uma resistência prolongada e altamente descentralizada em todo o país.
- Preparo para a guerrilha: O Ministro Diosdado Cabello anunciou o treinamento de civis em comunidades, preparando o terreno para uma "guerra prolongada" e de guerrilha urbana e rural.
- Risco de instabilidade: Há a preocupação de que armas possam ser dispersadas para grupos irregulares, como o ELN (Exército de Libertação Nacional), aumentando o risco de instabilidade regional duradoura.
Limitações políticas e moral das tropas
A principal fragilidade da estratégia de guerrilha reside na falta de um apoio popular robusto e unificado.
- Falta de apoio popular: Especialistas questionam o apoio a uma resistência prolongada liderada por Maduro, que é visto como uma figura impopular. A alegação oficial de milhões de votos nas eleições contestadas de 2024 é amplamente duvidada pela oposição e por observadores internacionais.
- Moral baixa: As altas taxas de deserção e a dificuldade de manutenção minam a moral e a eficácia das tropas e milícias.
Implicações estratégicas e relevância do cenário
Um conflito na Venezuela teria consequências que transcendem as fronteiras, afetando a estabilidade global e regional.
- Geopolítica regional: A crise representa uma ameaça direta à estabilidade da América Latina, com o potencial de gerar novos e grandes fluxos migratórios e problemas de segurança nas fronteiras.
- Lição militar: O cenário demonstra as limitações claras de forças militares regionais em enfrentar uma superpotência, mesmo quando equipadas com armamentos modernos.
- Impacto humanitário: Uma intervenção militar agravaria a já crítica situação humanitária dentro da Venezuela.
- Diplomacia global: A crise testa a eficácia dos mecanismos multilaterais regionais e a capacidade de alianças internacionais (como Rússia e Irã) de influenciar a dinâmica do confronto.
Repercussão política e regional do Brasil
Como país com a mais extensa fronteira terrestre com a Venezuela, o Brasil se torna um ator inevitável e central no desenvolvimento de qualquer crise na região.
- Desafio migratório exponencial: A ameaça de um conflito desencadearia um fluxo migratório massivo e urgente em Roraima e no Norte do Brasil, exigindo uma expansão imediata da "Operação Acolhida" e sobrecarregando a infraestrutura de saúde e social.
- Postura diplomática de não-intervenção: O Brasil se veria na posição crucial de defender a soberania venezuelana e o princípio da não-intervenção militar em fóruns como a OEA e a ONU, buscando evitar que a crise se torne um precedente perigoso para a região.
- Segurança de fronteiras: A estratégia de guerrilha de Maduro eleva o risco de infiltração de grupos armados irregulares e o aumento do tráfico ilícito através da fronteira. O Exército Brasileiro precisaria de um reforço significativo para garantir a neutralidade e a segurança do território nacional.
- Liderança regional: O país teria a responsabilidade de mobilizar e coordenar as nações vizinhas (incluindo o Mercosul) em torno de uma solução pacífica e negociada, tentando mediar a crise e conter a polarização entre potências globais.
A Venezuela se apresenta como um "gigante de pés de barro" militarmente, pois seu arsenal numeroso e moderno (como os caças Su-30) é sabotado por deficiências crônicas de manutenção e uma moral baixa das tropas. Um confronto simétrico contra a superioridade tecnológica dos EUA seria insustentável; por isso, a única estratégia de Maduro é a dissuasão baseada na ameaça de uma guerra de guerrilha prolongada, elevando o custo político da intervenção. No entanto, a fragilidade operacional e a falta de apoio popular maciço enfraquecem seriamente essa ameaça, configurando um cenário de alto risco e consequências imprevisíveis para a estabilidade regional, onde o Brasil assume o papel crucial de principal amortecedor humanitário e diplomático.
