Bebês Reborn: Por que mulheres adultas cuidam de bonecas? Psicanalista explica críticas, machismo e o peso da maternidade idealizada

O fenômeno dos bebês reborn — bonecos hiper-realistas tratados como crianças reais por algumas mulheres — tem gerado debates acalorados nas redes sociais e na mídia. Enquanto alguns enxergam a prática como um hobby inofensivo ou até terapêutico, outros a criticam como uma distorção da maternidade. A psicanalista Thaís Basile, em entrevista à BBC News Brasil, analisa o tema sob um viés social, destacando como a reação à prática revela machismo, sobrecarga feminina e a romantização da maternidade.
A dualidade de critérios: Hobbies masculinos x femininos
Basile questiona por que hobbies considerados "imaturos" são aceitos quando praticados por homens (como colecionar action figures ou se fantasiar de heróis), mas geram escárnio quando envolvem mulheres e bonecas. Ela cita o exemplo das sex dolls, mercado majoritariamente masculino, que não recebe a mesma patologização. A crítica, segundo ela, expõe uma misoginia enraizada: mulheres são julgadas por desviarem do papel de "cuidadoras reais".
- Evidencia a desigualdade de gênero na percepção de hobbies.
- Mostra como a sociedade tolera menos comportamentos lúdicos em mulheres.
Bebês reborn como sintoma social
Para Basile, a popularidade desses bonecos reflete:
- Maternidade compulsória: Mulheres são socializadas desde cedo para o cuidado (de irmãos, pais, filhos e pets), muitas vezes sacrificando sua própria infância.
- Fuga da realidade: Cuidar de um objeto inanimado permite viver a fantasia de uma "maternidade perfeita", sem cobranças ou conflitos.
- Fetichização da infância: Assim como bebês reais são expostos nas redes sociais por pais em busca de validação, os reborn reproduzem esse desejo de idealização, mas sem a complexidade de uma criança real.
Dados importantes:
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A exposição de crianças nas redes é criticada por Basile como "exploração", já que os algoritmos premiam esse conteúdo, incentivando a monetização da imagem infantil.
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O Brasil registrou em 2023 o menor número de nascimentos em 45 anos, contexto que amplia a pressão social sobre a maternidade.
Críticas e projetos de lei: Desvio de foco?
Basile critica parlamentares que propõem leis para proibir o uso de reborns em filas preferenciais ou hospitais, argumentando que isso é "surfar na polêmica" enquanto faltam políticas públicas para mães reais. Ela destaca:
- 11 milhões de mães solo no Brasil enfrentam precariedade financeira e violência.
- Leis urgentes, como ampliação da licença-paternidade ou combate à violência obstétrica, são negligenciadas.
A discussão sobre os reborns eclipsa problemas reais das mulheres, como a sobrecarga de cuidados e a falta de apoio estatal.
Reborns e luto: Um recurso válido?
Algumas mulheres usam os bonecos para lidar com perdas gestacionais. Basile ressalta que, embora possam ser um apoio lúdico, o processo de luto exige relações humanas e acompanhamento terapêutico.
"Bonecas não substituem a elaboração da perda", afirma.
Um sintoma a ser decifrado
O fenômeno dos reborns não é apenas sobre "mulheres e bonecas", mas um reflexo de:
- Uma sociedade que sobrecarrega as mulheres com o cuidado.
- A busca por um ideal inatingível de maternidade.
- A falta de espaços para que mulheres exerçam a fantasia e a imaturidade, como os homens fazem.
"Os bebês reborn não são o problema — são um sintoma. Um sintoma de que estamos falhando com as mulheres: cobramos que sejam cuidadoras perfeitas de seres reais, mas as julgamos quando buscam afeto sem cobranças. Sim, há riscos nessa fantasia, mas a raiz está na solidão de quem cuida e muitas vezes não é cuidada."
Em vez de ridicularizar ou patologizar essas mulheres, Basile propõe olhar para o contexto maior: a necessidade de repensar a distribuição de cuidados, apoiar mães reais e questionar por que a maternidade — real ou fantasiosa — segue sendo um campo tão policiado.