Cocaína global: Como a explosão de consumo na Europa financia facções do Brasil e acelera a crise de violência transnacional
 
 O mercado global de cocaína vive seu ápice histórico, impulsionado por uma demanda crescente, especialmente na Europa. Este aumento sem precedentes está gerando lucros astronômicos que fortalecem e expandem o alcance de facções criminosas organizadas, transformando o Brasil em uma peça-chave no tabuleiro geopolítico do narcotráfico.
Expansão acelerada do mercado global
Dados do Relatório Mundial sobre Drogas do UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime) de 2025 (mencionado no texto original) evidenciam a explosão do consumo:
- Aumento de usuários: O número global de usuários saltou de 17 milhões em 2013 para 25 milhões em 2023, um crescimento de 47% em uma década.
- Tendência de alta consolidada: Quase todos os indicadores do mercado (produção, apreensões e consumo) apresentam uma tendência contínua de alta.
- Principais mercados: Os maiores consumidores continuam sendo a América do Norte, a Europa Ocidental e Central, e a América do Sul.
O Brasil como rota estratégica para a Europa
O Brasil deixou de ser um ator secundário e se consolidou como a principal ponte de tráfico de cocaína para o mercado europeu, conforme análise de organizações como InSight Crime e Global Initiative Against Transnational Organized Crime.
- Vantagem logística: A proximidade direta com as zonas de produção (Colômbia, Peru, Bolívia) e a vasta costa atlântica com numerosos portos tornam o país uma rota ideal.
- Mudança de rota: O estudo de 2021 aponta que o principal eixo de tráfico para a Europa não é mais a Venezuela, mas sim o Brasil.
- Portos críticos: Portos como Santos, Paranaguá e Itajaí são identificados como pontos focais. As apreensões em Santos, por exemplo, dispararam de 4,5 toneladas em 2010 para 66 toneladas em 2019, refletindo o volume de trânsito.
- Modus Operandi: O Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) confirma que o contrabando é feito primariamente escondido em navios de carga e contêineres marítimos que partem do Brasil, Colômbia e Equador, com destino a grandes hubs europeus como Antuérpia (Bélgica) e Roterdã (Holanda).
Fortalecimento e sofisticação das facções brasileiras
O dinheiro do tráfico global financia diretamente a expansão e o poder de organizações como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), intensificando a violência e a corrupção.
- Transnacionalização: As facções evoluíram de grupos carcerários para atores criminosos globais. O PCC, em particular, é hoje um conglomerado com forte influência nos corredores de cocaína do Brasil, Bolívia e Paraguai, sendo uma "artéria" vital para o abastecimento da Europa, segundo a Europol.
- Modelo de franquia: O UNODC descreve a estrutura dessas facções como um modelo resiliente de "franquia", com uma hierarquia vertical combinada com filiais locais que possuem independência operacional, facilitando a expansão.
- Alianças estratégicas: Para a distribuição na Europa, estabelecem parcerias com máfias europeias, como a notória 'Ndrangheta italiana.
- Diversificação de renda: Embora a cocaína seja crucial (representando 30% a 40% da renda, segundo especialistas), as facções diversificaram seus negócios. O poder financeiro e o controle territorial se estendem a atividades como comércio de gás, ligações clandestinas de energia elétrica e internet, e transporte ilegal.
As consequências e a crítica ao modelo de combate
O aumento do consumo nos países de destino fortalece o crime organizado na origem e nas rotas, gerando um ciclo vicioso de violência e insegurança.
- Intensificação da violência local: O Brasil não é apenas um corredor, mas também um robusto mercado consumidor, o que, somado ao poder das facções, intensifica a violência local (Professora Annette Idler, Universidade de Oxford).
- Ciclo de violência e ineficácia: A resposta do Estado com megaoperações policiais gera, muitas vezes, uma espiral de violência que vitimiza a população.
- Falha da "guerra às drogas": Especialistas argumentam que o modelo da "guerra às drogas" é falho, pois a estrutura em rede das facções permite que novos grupos surjam continuamente, perpetuando o problema.
A necessidade de uma abordagem integrada
O tráfico de cocaína criou uma teia complexa que liga o consumidor europeu aos territórios controlados pelo crime organizado na América Latina.
- O foco na demanda: O cerne da questão reside na demanda nos mercados finais. Enquanto o consumo em locais como a Europa não for reduzido, o fluxo financeiro que fortalece o crime persistirá.
Solução multifacetada:
É consenso que combater apenas a oferta, por meio de ações policiais isoladas, é insuficiente. A solução exige uma abordagem global e integrada que:
1. Enfrente a demanda nos países consumidores.
2. Trate o vício como uma questão de saúde pública.
3. Invista em educação e conscientização.
A cocaína não é apenas uma droga, é o combustível transnacional que conecta o lazer do consumidor europeu ao poder e à violência das facções brasileiras. Este ciclo perverso, alimentado por lucros bilionários, prova que a "guerra às drogas" fracassou. A única saída realista para frear o poderio do crime organizado é abandonar a repressão isolada e adotar uma estratégia global de saúde pública, tratando a demanda como o verdadeiro ponto fraco da cadeia.
