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terça-feira, 19 de agosto de 2025 às 11:26 GMT+0

Decisão de Dino: Proteção da soberania e risco para a economia? Entenda o conflito.

Em um mundo cada vez mais interconectado, as empresas multinacionais frequentemente se encontram no centro de um complexo quebra-cabeça jurídico, onde as leis de diferentes nações podem entrar em conflito. Uma recente decisão do ministro Flávio Dino, do supremo tribunal federal (STF), trouxe esse desafio à tona para o Brasil. A medida, que reafirma o princípio de que leis e decisões judiciais estrangeiras não têm validade automática no território brasileiro, foi inicialmente vista como uma afirmação da soberania nacional. No entanto, especialistas alertam que essa posição pode, paradoxalmente, colocar empresas brasileiras em uma situação delicadíssima perante as autoridades dos Estados Unidos, criando um dilema operacional de grandes proporções.

O cerne da questão: Entendendo a decisão de Dino e a extraterritorialidade americana

Para compreender a complexidade do tema, é crucial elucidar os dois lados deste impasse:

  • A decisão do ministro Flávio Dino: A medida sustenta um princípio fundamental do direito internacional público: a soberania dos estados. De acordo com este princípio, uma lei ou sentença de outro país só pode ser reconhecida e executada no Brasil após passar por um processo legal específico, como a homologação de sentença estrangeira pelo superior tribunal de justiça (STJ). A decisão age como uma barreira protetora, impedindo que normas estrangeiras, muitas vezes baseadas em interesses geopolíticos específicos, interfiram diretamente na ordem jurídica brasileira.

  • A extraterritorialidade do direito americano: Por outro lado, os Estados Unidos possuem um conjunto robusto de leis com alcance extraterritorial. Isso significa que essas legislações não se aplicam apenas a empresas e cidadãos americanos dentro dos EUA, mas também podem alcançar empresas estrangeiras que tenham algum tipo de conexão com o território americano. As leis mais relevantes neste contexto incluem:

Foreign corrupt practices act (FCPA): Lei anticorrupção que pune suborno a funcionários estrangeiros.

  • Patriot act: Legislação antiterrorismo com disposições que afetam o sistema financeiro global.
  • Leis de sanções econômicas: Impostas a países, entidades ou indivíduos específicos, proíbem que empresas (mesmo estrangeiras) realizem transações com os alvos dessas sanções se utilizarem o sistema financeiro ou o dólar americano.

O dilema prático das empresas brasileiras: Entre a espada e a parede

É aqui que a situação se torna crítica para as companhias brasileiras com operações internacionais. Elas são potencialmente forçadas a fazer uma escolha impossível:

Acatar a decisão do STF (não aplicar as leis estrangeiras no Brasil).

  • Se uma empresa se recusar a cumprir uma sanção americana, por exemplo, ela pode ser penalizada pelas autoridades dos Estados Unidos. Essas penalidades podem ser devastadoras, incluindo multas bilionárias, a proibição de operar no mercado americano, a restrição de acesso ao sistema financeiro internacional dominado pelo dólar e até a inclusão em "listas negras" que efetivamente congelam seus assets abroad e cortam relações com parceiros globais.

Cumprir as leis americanas para proteger seus interesses nos EUA.

  • Ao fazer isso, a empresa estaria, tecnicamente, descumprindo a ordem do supremo tribunal federal brasileiro, que veda a aplicação automática dessas normas estrangeiras. Isso poderia abrir caminho para questionamentos jurídicos no Brasil, além de conflitos éticos e de governança corporativa.

Importância e relevância do alerta

O alerta feito pelo especialista Ricardo Inglez de Souza é extremamente relevante por várias razões:

  • Proteção dos interesses econômicos nacionais: O impacto direto recai sobre empresas que são vitais para a economia brasileira, incluindo grandes exportadoras, instituições financeiras e companhias listadas em bolsas de valores americanas.
  • Estabilidade do mercado financeiro: Sanções contra grandes bancos ou empresas brasileiras poderiam causar turbulência significativa, afetando câmbio, fluxo de investimentos estrangeiros e a cotação de ações no mercado local.
  • Soerguimento da governança corporativa: As empresas são colocadas em um teste stress de compliance internacional, necessitando de assessoria jurídica altamente especializada para navegar por águas tão turbulentas sem violar leis concorrentes.
  • Relações bilaterais Brasil-EUA: A situação pode evoluir de um problema corporativo para um ponto de atrito diplomático entre os dois países, dependendo de como os casos concretos forem tratados.

Um cenário de incerteza que exinge cautela estratégica

A decisão do ministro Dino, embora fundamentada em um princípio sólido de soberania, inadvertidamente cria um campo minado jurídico para as empresas brasileiras globalizadas. Elas estão agora presas em um jogo de xadrez entre duas jurisdições poderosas, onde qualquer movimento pode resultar em penalidades severas. Não se trata de uma questão com uma solução simples, mas sim de um risco geopolítico e regulatório tangível que demandará uma gestão de risco extremamente sofisticada. A resolução definitiva deste impasse pode depender não apenas do judiciário, mas também de uma sábia e delicada articulação diplomática para evitar que a defesa legítima da soberania nacional tenha o efeito colateral indesejado de isolar empresas brasileiras do mercado global. A cautela e a preparação são, portanto, as palavras de ordem para o setor privado neste momento.

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