"Bandido bom é bandido morto": Essa estratégia de segurança pública realmente funciona?
Este resumo aprofunda a análise de Ignacio Cano sobre a ineficácia da política de segurança pública que privilegia o confronto armado e a letalidade em detrimento da preservação da vida e de soluções sustentáveis. A crítica se concentra em megaoperações policiais, como a ocorrida no Complexo da Penha e do Alemão no Rio de Janeiro (outubro de 2025), destacada pelo governo como sucesso, mas vista pelo sociólogo como uma repetição danosa de um ciclo vicioso.
A lógica de guerra e a escalada tecnológica do conflito
O cerne do problema reside na adoção de uma lógica bélica nas ações policiais, que transforma o combate ao crime em um campo de batalha, um cenário que se agrava com a adoção de novas tecnologias pelas facções.
- Objetivo distorcido: A meta primária parece ser infligir o maior número de "baixas" ao "inimigo", em vez de proteger a população e garantir a lei.
- A escalada dos drones: O uso de drones adaptados para lançar explosivos por facções, como o Comando Vermelho (CV), está transformando o conflito urbano em uma ameaça de batalha aérea. Essa nova tecnologia eleva o risco para civis e policiais, intensificando a natureza de "guerra" do confronto e expondo ainda mais a população a artefatos bélicos improvisados.
- Ciclo ineficaz: Essa abordagem resulta em uma repetição periódica de violência, gerando um custo humano e social elevadíssimo sem desarticulação duradoura.
O desvio da função central e o fracasso tático
O artigo critica a celebração de altos números de mortos, o que representa uma grave inversão de valores na segurança pública, e destaca a ineficácia das megaoperações ao falhar em seus objetivos estratégicos.
- Preservação da vida acima de tudo: A função essencial do Estado é a proteção de direitos, sendo o direito à vida o mais fundamental.
- Comprovação histórica de ineficácia: A estratégia de confronto não apenas falha em desarticular facções, mas também não garante a captura de alvos primários. A fuga de lideranças, como Doca (o número 2 do CV), durante a maior e mais letal operação policial da história do Brasil (outubro de 2025), é a prova cabal de que a alta letalidade e o grande efetivo não se traduzem em eficácia estratégica. O alto número de mortos (mais de 120), apresentado como sucesso, esconde o fracasso em neutralizar a estrutura de comando da facção.
Impactos sociais e a dupla moral da violência
As operações de alto impacto geram consequências devastadoras que são toleradas apenas em áreas periféricas e pobres.
- Custos humanos inaceitáveis: A população sofre com mortes por balas perdidas, interrupção de serviços essenciais, trauma psicológico e constante violação do direito de ir e vir. A ameaça de ataques aéreos com drones intensifica o perigo imposto aos moradores.
- Seletividade geográfica: Essa intensidade de violência e o risco à vida não são aceitos ou impostos em bairros de classe média e alta, evidenciando uma falha ética e social.
Caminhos negligenciados para uma segurança real
O sociólogo aponta que existem alternativas de sucesso sistematicamente ignoradas pelo poder público:
1. Ocupação e pacificação permanente: Presença estatal constante e orientada para a cidadania.
2. Investigação financeira inteligente: Foco na descapitalização do crime, rastreando a lavagem de dinheiro e as finanças.
3. Combate à corrupção: Ação rigorosa contra agentes públicos que facilitam a ação dos criminosos.
O fracasso ético e tático
Para Ignacio Cano, a estratégia do "bandido bom é bandido morto" não é apenas um fracasso tático provado pela fuga de Doca e a persistência do Comando Vermelho apesar da megaoperação, mas a normalização da barbárie pelo próprio Estado.
- Ameaça à democracia: Essa abordagem corrói os pilares democráticos, desrespeita o devido processo legal e ignora sentenças internacionais.
- Ciclo vicioso incurável: Dobrar a aposta na violência estatal só agrava a doença social, aprofundando um ciclo destrutivo de violência do qual a sociedade se torna refém.
"O lema 'bandido bom é bandido morto' é a confissão de um fracasso ético, e não uma estratégia de segurança. Não se trata de defender o criminoso, mas de proteger a sociedade da própria barbárie estatal. Enquanto o foco for o discurso de ódio e o número de baixas, seremos incapazes de enxergar o cerne do problema: a letalidade é apenas o sintoma mais sangrento de um Estado que se recusa a ser inteligente, justo e, acima de tudo, humano. E o apoio social a essa lógica? Aqueles que a aplaudem apenas fornecem o oxigênio moral para que esse ciclo vicioso de violência e ineficácia continue a girar."
