Barroso no STF: "Se homens engravidassem, o aborto não seria crime" - O voto final que reacendeu o debate

Em seu último dia útil como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso votou a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442. O voto foi proferido na véspera de sua aposentadoria, com efeito a partir do sábado (18/10/2025).
O voto histórico de Barroso
- Defesa da saúde pública e autonomia da mulher: Barroso defendeu que o aborto deve ser tratado como uma questão de "saúde pública" e não como um tema criminal, argumentando que a discussão não é ser a favor do aborto, mas sim definir se a mulher deve ser presa.
- Decisão incompleta: O julgamento virtual foi aberto e logo suspenso pelo ministro Gilmar Mendes, que pediu destaque para que o tema seja analisado em sessões presenciais.
Voto citado de Barroso: O ministro enfatizou a questão de gênero na criminalização, afirmando:
"Ninguém duvide: se os homens engravidassem, aborto já não seria tratado como crime há muito tempo."
"A discussão real não está em ser contra ou a favor do aborto. É definir se a mulher que passa por esse infortúnio deve ser presa."
"A mulher não é um útero a serviço da sociedade. Se os homens engravidassem, esse problema já teria sido resolvido. O ponto é que a criminalização se tornou uma má política."
Ações paralelas e liminares
Liminares concedidas: Na mesma noite, Barroso concedeu liminares em outras duas ações relacionadas ao aborto legal:
- ADPF 1207: Permitiu que outros profissionais de saúde, além de médicos (como enfermeiros e técnicos), participem de procedimentos de aborto legal.
- ADPF 989: Determinou que órgãos públicos de saúde não podem dificultar a realização do aborto nas hipóteses já permitidas por lei (risco à vida da gestante, gravidez por estupro e anencefalia fetal).
O contexto do julgamento no STF
- Precedente de Rosa Weber: O movimento de Barroso repetiu o da ex-ministra Rosa Weber, que em 2023 também deixou seu voto favorável à descriminalização do aborto até 12 semanas antes de se aposentar.
- O voto de Weber destacou:
"A maternidade é escolha, não obrigação coercitiva. Impor a continuidade da gravidez, a despeito das particularidades que identificam a realidade experimentada pela gestante, representa forma de violência institucional contra a integridade física, psíquica e moral da mulher."
- Dependência da pauta: O destino das ações depende da decisão do presidente do STF, que deve pautar o tema para que o julgamento prossiga com os votos dos demais ministros.
- Oposição e pesquisa de opinião: A descriminalização enfrenta forte oposição de setores religiosos e políticos, e uma pesquisa recente indica que 75% dos brasileiros rejeitam a ampliação do acesso ao aborto. Ministros como Kássio Nunes Marques e André Mendonça já se manifestaram publicamente contra.
Aposentadoria e sucessão
- Motivação pessoal: Barroso antecipou sua aposentadoria, citando razões pessoais e o desejo de viver sem a intensa exposição pública do cargo, buscando mais "espiritualidade, literatura e poesia".
- Próxima indicação: Cabe ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indicar o sucessor de Barroso. O novo ministro herdará as ações que estavam sob a relatoria de Barroso. Entre os cotados para a vaga estão o Advogado-Geral da União, Jorge Rodrigo Araújo Messias, o desembargador Rogério Favreto, e o ministro do TCU, Bruno Dantas.
A posição de Barroso, ecoando a de Rosa Weber e de juristas progressistas, não se alicerça na promoção do aborto, mas sim no reconhecimento urgente de que descriminalizar nunca foi sinônimo de ser a favor do aborto. A cerne do debate é a saúde pública, a autonomia feminina e a justiça social. Manter a criminalização, como argumentam os que se opõem à mudança, é uma falha conceitual profunda: significa ignorar que a lei, ao invés de proteger a vida, apenas pune a mulher em situação de vulnerabilidade, transformando um drama pessoal em caso de polícia. A verdadeira discussão, portanto, é se a mulher que vive esse "infortúnio" deve ser tratada como criminosa. A decisão final do STF, independentemente do resultado, será um divisor de águas que definirá se o Brasil continuará a impor uma violência institucional coercitiva, ou se avançará para uma abordagem que prioriza a dignidade, a escolha e a vida das mulheres.