Bolsonarismo entendeu a chave de 2026: Por que a Câmara perdeu o controle? Sintomas da crise institucional e a ameaça à democracia
A cientista política Beatriz Rey, doutora pela Syracuse University e pesquisadora da Universidade de Lisboa, analisa a recente turbulência na Câmara dos Deputados e a tensão entre os poderes. Segundo a especialista, os episódios de agressão e a polarização expõem um processo mais profundo de desinstitucionalização do Congresso.
Sintomas da desinstitucionalização na Câmara
Os recentes incidentes na Câmara, como a violência da Polícia Legislativa e a agressão a jornalistas, são vistos por Rey não como eventos isolados, mas como reflexos de uma crise institucional.
- Recurso à força em conflitos: O uso da Polícia Legislativa para remover um deputado ou jornalistas sinaliza a falência das instituições em mediar e resolver conflitos sociais por meio de acordos. A violência se torna uma "volta ao estado de natureza de Hobbes", onde o contrato social é rompido.
- Perda de autogoverno: A recusa da Câmara em cassar o mandato da deputada Carla Zambelli, apesar de uma condenação do STF, é um exemplo de como a Casa está "perdendo a capacidade de se autogovernar" e de cumprir seu papel constitucional.
- Controle frágil do plenário: A atual presidência da Câmara demonstra uma falta de controle e prestígio perante os pares, o que contribui para a instabilidade e a dificuldade em costurar acordos antes das votações.
A tensão crônica entre Legislativo e STF
A crise se agrava no constante atrito com o Supremo Tribunal Federal (STF). Para Rey, a tensão se manifesta quando um poder deixa de cumprir seu dever, forçando a intervenção de outro.
- O vazio de poder: Quando a Câmara se omite em tomar decisões que lhe caberiam, como a cassação de um mandato, o STF é "obrigado a agir", gerando novos capítulos na crise entre os poderes.
- Uso da Constituição como ferramenta política: A própria Constituição Federal está sendo constantemente "remexida" e utilizada para atender aos interesses momentâneos de cada poder, evidenciando a necessidade de um diálogo sério para reajustar o balanço de poder.
- A falsa "ditadura da toga": A crítica de que o STF estaria operando uma "ditadura" é refutada pelo simples fato de que parlamentares podem se manifestar livremente. O que existe, na verdade, é um desajuste na relação entre os poderes.
As emendas, o centrão e a barganha política
A lógica do jogo político na Câmara também é afetada pelo uso de recursos orçamentários.
- Votação atrelada a pagamentos: A votação de projetos importantes, como o que altera a dosimetria de crimes de tentativa de golpe, é explicitamente ligada ao atraso no pagamento de emendas parlamentares. Isso desvirtua a função das emendas e as transforma em ferramentas de barganha para votações específicas.
- A sede por poder orçamentário: O Centrão é identificado como o grupo que impulsiona essa dinâmica, buscando manter seu acesso e controle sobre o orçamento.
- Pressão pré-2026: O movimento do Centrão também está ligado à busca por nomes viáveis para a disputa presidencial de 2026, com o grupo buscando afastar-se da família Bolsonaro e articular candidaturas como Tarcísio de Freitas, Ratinho Júnior e Romeu Zema.
A lição das eleições para 2026
O maior desafio para o futuro do Congresso reside na conscientização do eleitorado.
- A visão do bolsonarismo: Segundo a cientista política, o bolsonarismo é o único campo ideológico que "já entendeu completamente" a centralidade da eleição legislativa e está mobilizado para formar maiorias no Congresso.
- A omisão dos demais: Outros campos, como a esquerda e o centro, ainda não demonstraram ter essa mesma consciência.
- O voto cidadão: É fundamental que os cidadãos dediquem tempo e esforço para escolher deputados e senadores que sejam comprometidos com a função legislativa e tratem a instituição com seriedade. A importância do voto para o Congresso deve se igualar à do voto presidencial.
A crise atual na Câmara, marcada pela violência e pela ineficácia decisória, é o sintoma de uma desinstitucionalização profunda. Enquanto o bolsonarismo demonstra ter compreendido a centralidade estratégica da eleição legislativa de 2026, a falha do Congresso em se autogovernar força a intervenção de outros poderes, intensificando a instabilidade e a polarização. O futuro do equilíbrio democrático reside, crucialmente, na consciência cidadã sobre a importância do voto para o Legislativo.
