Como o acordo Israel-Hamas foi costurado: Os 4 pilares frágeis da trégua em Gaza

O recente acordo de cessar-fogo por tempo indeterminado, mediado por Egito, Catar, Turquia e Estados Unidos, trouxe um frágil alívio após dois anos de conflito devastador. Baseado em uma proposta de 20 pontos do presidente americano Donald Trump, o plano visa a troca de reféns israelenses por prisioneiros palestinos e a entrada de ajuda humanitária em Gaza. Embora o presidente Trump o tenha classificado como o "primeiro passo para uma paz sólida", o pacto é apenas uma trégua precária.
O sucesso a longo prazo depende da superação de uma profunda desconfiança histórica e da resolução de quatro pontos críticos que representam abismos políticos e ideológicos.
1. A confiança em xeque: Manutenção do cessar-fogo
O desafio inicial e mais fundamental é sustentar a trégua em um cenário de confiança praticamente inexistente. Manter o cessar-fogo não é apenas uma formalidade, é a base para qualquer progresso futuro.
- O precedente perigoso: A violação de um cessar-fogo anterior por Israel, sob a alegação de reagrupamento do Hamas, serve como um lembrete da fragilidade do compromisso.
- Pressão unificada: O envolvimento pessoal de Donald Trump, juntamente com a pressão coordenada de Egito, Catar e Turquia sobre o Hamas, foi essencial para selar o acordo.
- A moeda de troca: O Hamas exigiu garantias concretas de que Israel não retomará os ataques após a libertação dos reféns, que são sua principal vantagem de barganha.
2. O nó górdio: O desarmamento do Hamas
O destino das armas do Hamas é o obstáculo mais espinhoso e central do plano Trump, representando um conflito de prioridades irreconciliáveis.
- Para Israel: Segurança máxima - O desarmamento é um objetivo de guerra e sinônimo de segurança permanente para o Estado israelense. O primeiro-ministro Netanyahu mantém o objetivo de "destruição completa" do grupo.
- Para o Hamas: Símbolo da Resistência: As armas não são apenas poder militar, mas o símbolo máximo da "resistência palestina" e seu poder de negociação. O grupo já condicionou o desarmamento à criação de um Estado palestino independente e soberano.
- O grande desafio: Encontrar um termo intermediário para esta questão é, talvez, o maior desafio político e ideológico do processo.
3. A linha tênue: A retirada do exército israelense de Gaza
A retirada das Forças de Defesa de Israel (IDF) do território de Gaza é uma exigência crucial do Hamas, mas uma garantia de segurança para Israel. O acordo sugere um plano gradual e, em muitos pontos, vago.
- Exigência vs. Garantia: O Hamas exige uma retirada total e imediata, enquanto Israel vê a presença militar como um seguro contra futuros ataques.
- Um plano de etapas vago: O acordo prevê uma retirada faseada, com "padrões, marcos e prazos". Um mapa indica uma redução da área sob controle israelense, de 53% para um "perímetro de segurança" final de 15%.
- A armadilha do perímetro: A indefinição sobre quando e como esse perímetro final será dissolvido é uma fonte potencial de conflito. O Hamas pode interpretá-lo como uma ocupação permanente disfarçada.
4. O vazio político: O futuro governo de Gaza
A ausência de uma estrutura de governo clara e legítima em Gaza é o risco de instabilidade duradoura e um convite para o ressurgimento de grupos militantes.
- Prevenção do caos: Definir uma autoridade governante é essencial para prevenir um novo ciclo de violência e evitar um vácuo de poder.
Propostas em colisão:
- Plano Trump: Sugere uma "Junta de Paz" temporária (liderada por ele e Tony Blair), com transferência posterior de controle para a Autoridade Palestina (AP).
- Rejeição de Netanyahu: O primeiro-ministro israelense já rejeitou publicamente um papel para a AP, e facções ultranacionalistas em seu governo pressionam por reassentamentos judeus.
- Ambição do Hamas: O grupo espera fazer parte de um "movimento palestino unificado", uma ideia inaceitável para Israel e para os países mediadores.
Um passo inicial em um caminho incerto
- Este acordo é um momento de esperança, mas deve ser visto como uma trégua, não como um acordo de paz. O alívio é real, porém sustentado por um equilíbrio extremamente delicado. A superação desses quatro pontos críticos exigirá não apenas a pressão contínua da comunidade internacional, mas concessões extremamente dolorosas de ambos os lados.
O sucesso da trégua será medido pela capacidade de transformá-la em uma paz verdadeiramente duradoura, um caminho que se revela longo e incerto.