De "críticas" a "cara Legal": O jogo de xadrez da diplomacia - Por que Lula e Trump se aproximaram na ONU?

A política externa é como um jogo de xadrez, onde cada movimento, por mais simples que pareça, pode mudar o rumo de toda a partida. Um lance surpreendente ocorreu durante a 80ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2025, quando o então presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, sinalizaram uma aproximação. Após meses de tensão, o cenário mudou e um novo capítulo nas relações bilaterais parece estar em construção.
O primeiro movimento: Um gesto inesperado no palco global
Depois de oito meses de relações conturbadas, marcadas por críticas públicas, sobretaxas a produtos brasileiros e questionamentos ao Judiciário, o cenário em Nova York se transformou.
- O "cara legal": Durante a Assembleia Geral, Trump fez um comentário público e informal, classificando Lula como "um cara legal". Esse gesto foi seguido pela indicação de um possível encontro bilateral.
- O encontro inicial: A conversa, que durou menos de 40 segundos, foi vista como um ponto de partida. Em resposta, Lula expressou "felicidade" com a perspectiva de um diálogo mais profundo, desejando que a conversa fosse entre "dois seres humanos civilizados".
A análise estratégica: Uma mudança de tática, não de rendição
Para especialistas em Política Internacional, o gesto de Trump não foi um ato de conciliação, mas uma revisão de rota. O professor Dawisson Belém Lopes, da UFMG, destaca que a postura firme do Brasil foi decisiva para forçar essa mudança de atitude.
- Um "golpe" na oposição: A reaproximação desfaz a narrativa de que apenas líderes de direita, como a família Bolsonaro, seriam interlocutores válidos para Trump, o que obriga a oposição bolsonarista a repensar sua estratégia.
- A solidez da posição brasileira: A mudança de tom dos EUA é um reconhecimento de que a estratégia de pressão não estava funcionando. O Brasil manteve sua posição de que a soberania e a independência do Judiciário não são negociáveis.
- A cautela como prioridade: Lopes alerta que Lula, um negociador experiente, deve manter uma postura defensiva, focando nos interesses nacionais sem ceder a pressões.
Os interesses em jogo: O que cada país busca?
Em qualquer negociação diplomática, existem trunfos e demandas. Na mesa de discussões, cada lado busca garantir seus objetivos.
O que os EUA querem:
- Regulação das Big Techs: Empresas de tecnologia americanas visam atuar no mercado brasileiro de 210 milhões de consumidores com o mínimo de regulamentação possível.
- Terras raras: Os EUA têm interesse em garantir o suprimento desses minerais estratégicos, essenciais para a tecnologia de ponta, dos quais o Brasil é um dos maiores detentores globais.
- Estabilidade comercial: Acesso a produtos como o café, que afetam diretamente o consumidor americano.
A posição e os trunfos do Brasil:
- Mercado consumidor e recursos naturais: O tamanho do mercado e o controle sobre minerais como as terras raras dão ao Brasil um poder de barganha significativo.
- Paridade soberana: O Brasil busca negociar como um parceiro igual. Lula já sinalizou abertura para discutir as terras raras, mas com base na reciprocidade.
Os riscos e a estratégia discursiva de Lula
A possibilidade de um encontro bilateral levanta o risco de uma emboscada diplomática, dada a imprevisibilidade de Trump. A diplomacia brasileira, segundo Lopes, deve estar atenta para evitar qualquer situação degradante.
- A tática de Lula: A resposta pública do presidente brasileiro foi estratégica. Ao mencionar que a conversa ocorreria entre
"dois homens de 80 anos"
, Lula buscou criar um terreno comum, estabelecendo uma paridade de experiência e neutralizando a narrativa de que estaria receoso com o encontro.
Um novo capítulo, mas com o peso do passado
O aceno de Trump na ONU marca um momento importante de possível desescalada nas relações entre Brasil e EUA. No entanto, é um recomeço que carrega o peso dos últimos meses de tensão. Questões como sobretaxas e críticas às instituições brasileiras não se resolverão facilmente. A expectativa é de um diálogo complexo, onde o Brasil entrará com cautela, defendendo sua agenda comercial e, acima de tudo, a inviolabilidade de sua soberania e de suas instituições democráticas. A aproximação é real, mas será construída passo a passo, com o Brasil buscando uma relação madura e de igualdade entre as nações.