Direitos reprodutivos em jogo: O voto surpresa de Barroso no STF pode descriminalizar o aborto? Entenda o legado e as ações cruciais.
O Supremo Tribunal Federal (STF) está na iminência de testemunhar a aposentadoria do Ministro Luís Roberto Barroso, e a grande questão é se ele seguirá os passos de sua antecessora, Rosa Weber, e registrará um voto decisivo sobre a descriminalização do aborto antes de deixar a Corte. Este é um momento de alta tensão política e social, com implicações profundas para os direitos das mulheres no Brasil.
O contexto jurídico: As ações chave no STF
O debate está concentrado em três ações sob a relatoria de Barroso, que buscam ampliar ou garantir o acesso legal ao aborto:
1. ADPF 442 (A Ação Principal): Protocolada pelo PSOL em 2017, ela solicita a descriminalização do aborto realizado até a 12ª semana de gestação. O julgamento foi retirado do plenário virtual por pedido do próprio Barroso para ser analisado no plenário físico.
2. ADPF 1207: Busca permitir que outros profissionais de saúde, como enfermeiros, possam realizar o procedimento nos casos já permitidos por lei.
3. ADPF 989: Pede mecanismos para garantir o acesso ao aborto nas situações já previstas no Código Penal (estupro, risco de vida para a gestante) e em casos de anencefalia fetal.
A expectativa pelo voto: Por que Barroso é crucial?
A pressão e a expectativa em torno de um voto favorável de Barroso se baseiam em seu histórico e na articulação de setores da sociedade civil:
- Precedente de Rosa Weber: Sua antecessora, ao se aposentar, deixou um voto histórico na ADPF 442, sustentando que
"a maternidade é escolha, não obrigação coercitiva". - Histórico e posição pessoal: Antes de ser Ministro, Barroso defendeu a ação que liberou o aborto em casos de anencefalia. Como Ministro, ele já declarou publicamente que a criminalização
"viola a autonomia da mulher"e afirmou, de modo contundente, que"se os homens engravidassem, isso já teria sido resolvido há muito tempo". - Apelo da sociedade civil: Mais de 60 entidades e 200 especialistas enviaram uma carta ao Ministro solicitando que ele registre seu voto antes da aposentadoria.
A profunda importância social e de direitos
A decisão neste caso ultrapassa o direito, tocando em questões fundamentais de saúde pública e igualdade de gênero:
- Autonomia corporal e projetos de vida: A discussão está diretamente ligada ao direito fundamental das mulheres de decidirem sobre seus corpos e seus futuros.
- Impacto na saúde pública: A descriminalização é vista como um passo essencial para reduzir a mortalidade materna, já que o aborto inseguro é uma das principais causas de morte de gestantes no Brasil.
- Igualdade de gênero: A criminalização afeta desproporcionalmente as mulheres, sendo, nas palavras de Barroso, uma questão de desigualdade que o Supremo precisa enfrentar, dado o histórico de inércia do Legislativo.
Os obstáculos e o futuro incerto do julgamento
Apesar da expectativa, o caminho para o julgamento final é incerto e cheio de barreiras:
- Dependência da presidência do STF: O voto de Barroso, por si só, não retoma o julgamento. A decisão de pautar as ações cabe exclusivamente ao atual Presidente do STF, Ministro Edson Fachin.
- Forte oposição e polarização: O tema enfrenta intensa resistência de grupos religiosos, conservadores e de uma parcela significativa da população – pesquisa Ipsos-Ipec de julho de 2025 indicou que 75% dos brasileiros são contra a descriminalização.
- Divisão interna na Corte: Ministros como Kássio Nunes Marques e André Mendonça já sinalizaram posicionamentos contrários à ampliação, indicando que o placar final do STF seria apertado e incerto.
A sucessão e o legado nas mãos do próximo ministro
A aposentadoria de Barroso abre a relatoria das ações para seu sucessor, que será indicado pelo Presidente Lula:
- O novo relator: O futuro Ministro ou Ministra herdará a responsabilidade pelas ADPFs 442, 1207 e 989, e sua posição sobre o tema será decisiva para o andamento dos processos.
- O jogo político da indicação: A escolha de Lula, e sua aprovação pelo Senado, será um processo político crucial, monitorado de perto por todos os lados do debate sobre direitos reprodutivos.
"O debate exige honestidade para equilibrar valores fundamentais: A proteção da vida em seu estágio inicial e a compaixão pela vida já formada, que carrega o peso físico, psíquico e social de uma gestação forçada. Num país laico, a lei deve refletir essa complexidade, não impor convicções. Descriminalizar é um ato de responsabilidade social que busca prevenir danos maiores, transferindo a questão do âmbito da punição para o da proteção integral."
O eventual voto favorável de Barroso será um marco simbólico poderoso, mas é apenas um passo. O desfecho da histórica batalha pela descriminalização do aborto no STF depende de uma complexa rede de fatores, que envolvem a coragem política da Presidência da Corte, a composição do Plenário e a direção que o novo Ministro dará a esse legado. A questão permanece em suspense, aguardando os próximos e decisivos capítulos.
