Ditadura da segurança: O modelo 'Bukele' de El Salvador resolve de fato o crime ou apenas troca a violência? Como funcionaria no Brasil?
A política de segurança pública linha-dura implementada pelo presidente de El Salvador, Nayib Bukele, tem gerado grande interesse e debates em vários países, incluindo o Brasil. A alta popularidade de Bukele, impulsionada pela queda drástica da violência, fez com que seu modelo se tornasse uma referência para líderes que buscam soluções rápidas para o crime organizado.
O fenômeno Bukele: Alta aprovação e foco na segurança
- Popularidade impulsionada pela segurança: Desde sua reeleição em 2024, a aprovação de Nayib Bukele supera a do próprio governo, e a segurança pública é apontada por 75% dos entrevistados como a área de maior destaque de sua gestão.
- A imagem de "linha-dura": A projeção de uma imagem de pulso firme contra o crime organizado é a principal razão para o fenômeno de popularidade, transformando Bukele em uma referência internacional.
- Ressalvas e críticas: Apesar da aprovação na área de segurança, há críticas significativas. O governo enfrenta avaliações desfavoráveis em economia, acesso à moradia e, notavelmente, em respeito aos direitos humanos, com acusações de autoritarismo, violência e encarceramento em massa.
- Mudança de prioridades: Pesquisas recentes em El Salvador indicam que, com a estabilização da segurança, as preocupações com a economia e dívida pública estão voltando ao centro das atenções, sinalizando que a demanda por melhorias em outras áreas deve aumentar.
bA defesa do modelo em terras brasileiras
Lideranças conservadoras no Brasil veem o modelo salvadorenho como uma oportunidade para ganhos políticos, especialmente após ações policiais de grande repercussão:
- Romeu Zema (Governador de MG): Após visitar El Salvador, ele defendeu a importação da política de segurança de Bukele, sugerindo que o Brasil deveria ter a "humildade" de copiar o que funciona em um país com características semelhantes.
- Proposta do CECOT: Zema defendeu a construção de um Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), a megaprisão de El Salvador, em área isolada da Amazônia para membros de organizações criminosas.
- Classificação de terrorismo: O governador também defendeu classificar facções criminosas como terroristas no Brasil.
- Outros defensores: O deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP) também visitaram o país e manifestaram apoio ao modelo, citando a necessidade de priorizar a paz e combater facções criminosas.
Os pilares da estratégia Bukele e seus custos
O declínio da criminalidade em El Salvador é resultado de uma política de segurança de "mão de ferro", mas que traz consigo sérias consequências sociais e institucionais:
Ações de "mão de ferro"
- Estado de emergência prolongado: Uso contínuo de um regime de exceção.
- Militarização intensa: Aplicação das forças armadas na segurança pública e na sociedade.
- Endurecimento legal: Legislação mais severa, incluindo redução da idade de responsabilidade criminal e aumento de penas para membros de gangues.
- Encarceramento em massa: Construção de uma megaprisão e detenção de quase 90 mil pessoas desde março de 2022.
- Controle de comunicação: Interrupção das redes de comunicação dentro e fora das prisões, desmantelando a liderança das gangues.
O preço social e institucional
- Violações de direitos humanos: Organizações como a Anistia Internacional apontam a "substituição gradual da violência das gangues pela violência estatal", com relatos de espancamentos, detenções arbitrárias, mortes sob custódia e julgamentos em massa.
- Erosão democrática: Há preocupações com a concentração de poder no presidente, o desmantelamento da independência judicial e a militarização contínua do controle do crime.
- Acusações de negociação: O governo Bukele enfrentou sanções dos EUA com base na Lei Magnitsky, que alegaram negociações secretas com gangues como a MS-13, oferecendo incentivos financeiros e privilégios em troca da redução da violência e apoio político.
Por que replicar o modelo no Brasil é um desafio?
Especialistas em segurança e estudos comparados avaliam que o modelo de El Salvador não é facilmente transferível para a realidade brasileira:
Diferenças de escala e estrutura:
- Tamanho do país: O tamanho reduzido de El Salvador facilita a centralização e o controle das operações de segurança, algo inviável em uma federação continental como o Brasil.
- Crime organizado: As gangues salvadorenhas tinham um poder de fogo e uma profundidade territorial significativamente menores do que facções brasileiras como PCC e Comando Vermelho, cujo modelo de negócio foca no comércio transnacional de cocaína (atacado) e não apenas em extorsão (varejo).
Barreiras constitucionais e institucionais:
- Federalismo: O Brasil tem 27 governos estaduais e dois sistemas policiais, o que dificulta a centralização.
- Supervisão judicial: O sistema brasileiro possui barreiras constitucionais mais fortes, com a suspensão nacional de direitos exigindo a supervisão do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), que já classificou a crise prisional como "situação inconstitucional".
Riscos de sobrecarga:
- Uma tentativa de varredura no estilo salvadorenho poderia sobrecarregar ainda mais as prisões, fortalecendo as redes de comando criminosas que já operam dentro do sistema prisional.
- Tentativas anteriores de militarização, como a intervenção federal no Rio, geraram resultados de curto prazo, mas não garantiram reduções duradouras no crime organizado.
Em resumo, enquanto o Brasil pode absorver lições sobre coordenação e presença estatal visível, a imitação do modelo Bukele, com suas táticas de repressão extrema e alto custo institucional, é vista como um risco que provavelmente levaria ao deslocamento da violência e à desorganização do sistema prisional, em vez do desmantelamento efetivo da economia das drogas.
