Dom Pedro II visionário: O testamento político e o Brasil mais 'branco' que ele sonhou
O artigo de Edison Veiga, da BBC News Brasil, mergulha nas ideias de Dom Pedro II (1825-1891), o segundo e último imperador do Brasil, com base em seu testamento político, o Fé de Ofício, escrito durante seu exílio em 1891.
A análise revela a visão de um monarca que almejava um futuro de progresso, ciência e instituições sólidas para a nação.
O legado político: O "Fé de Ofício"
Escrito poucos meses antes de sua morte, o documento é o registro final das aspirações de Dom Pedro II para o Brasil, sintetizando sua visão para o desenvolvimento nacional.
- Visão de progresso: O imperador via o futuro do Brasil ancorado no avanço da ciência e da tecnologia, priorizando o investimento em instituições de ensino superior.
- Economia nacional: Defendia a necessidade de proteger a economia doméstica contra a concorrência estrangeira até que esta alcançasse seu pleno desenvolvimento.
- Estado e religião: Propugnava a separação entre Estado e Igreja com a máxima "Igreja livre no Estado livre", restringindo a ação estatal à moral e à higiene, deixando o aspecto religioso às famílias e ministros.
- Combate à desigualdade: Demonstrava preocupação com a sorte física do povo, ressaltando a importância de garantir habitações salubres a preço acessível e melhorar a alimentação da população.
- Defesa e paz: Embora contrário a guerras, considerava essencial o investimento no Exército e na Marinha para que o país estivesse preparado para eventualidades, buscando sempre evitá-las.
- Justiça e cidadania: Era contrário à pena de morte, acreditando na regeneração humana, e defendia eleições livres e concursos públicos. Contudo, acreditava que o voto deveria ser restrito apenas aos alfabetizados.
O imperador republicano: Uma ideologia liberal
Estudiosos frequentemente classificam Dom Pedro II como um "imperador republicano" ou "rei filósofo", um reflexo de suas convicções liberais e iluministas, mesmo estando à frente de uma monarquia.
- A república como destino: Pedro II via o regime republicano, inspirado em modelos como o dos Estados Unidos, como o desenvolvimento natural do sistema político brasileiro.
- A condição do país: Ele acreditava que o Brasil não estava pronto para a República imediata, necessitando de um amadurecimento das estruturas sociais e administrativas.
- Espírito e ação: Seu republicanismo se manifestava mais no espírito liberal — apoio à liberdade de imprensa, amor à pátria, busca pela ciência e artes — do que na prática política. Ele manteve o Poder Moderador até o fim do Império, o que destoa de uma postura estritamente republicana.
Educação e Ciência: Os pilares do progresso
A paixão pessoal de Dom Pedro II por ciência e intelecto era a base de sua visão para a nação, transformando-se em investimento e patrocínio a instituições de conhecimento.
Paixão pessoal:
- O imperador era um entusiasta da ciência, estudando astronomia e matemática, incentivando a fotografia e patrocinando a aquisição de equipamentos científicos.
Fundação de instituições:
Durante seu reinado, foram criadas ou desenvolvidas entidades fundamentais para a cultura e a ciência brasileira:
- Colégio Pedro II (1837)
- Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) (1838)
- Escola de Minas de Ouro Preto (1875)
Reconhecimento global:
- Sua dedicação à ciência lhe rendeu o respeito de figuras como o naturalista britânico Charles Darwin e o escritor francês Victor Hugo.
O legado que permanece no Brasil de hoje
Muitas das diretrizes e ideias defendidas por Dom Pedro II ecoam e se materializaram em aspectos cruciais do Brasil contemporâneo.
- Unidade territorial: O projeto de nação robusta, conduzido pelos imperadores e que sufocou revoltas separatistas, foi crucial para a manutenção da integridade territorial do país.
- Visão de paz: A defesa de Forças Armadas com fins exclusivamente defensivos se alinha com a vocação pacífica e o papel diplomático que o Brasil veio a exercer no cenário global (como na fundação da ONU e missões de paz).
- Saúde pública: A preocupação com a "higiene pública" ressoa no atual Sistema Único de Saúde (SUS), um modelo de acesso universal e gratuito à saúde.
- Bases da democracia: A defesa de eleições regulares e da liberdade de pensamento e de imprensa constitui a base do sistema político democrático brasileiro.
- Instituições vivas: Instituições como o Colégio Pedro II, o IHGB e a Escola de Minas continuam sendo importantes para a vida econômica e cultural do país.
Uma nuance importante: A imigração e o eurocentrismo
Embora visionário em muitos aspectos, o ideal civilizatório de Dom Pedro II estava alinhado ao pensamento elitista e eurocêntrico da época, o que se reflete em sua política imigratória.
Embranquecimento:
- A defesa de uma abertura maior à imigração europeia tinha o viés de "embranquecer" o brasileiro e substituir a mão de obra escravizada, configurando uma política
com contornos racistas.
Apesar de ter sido deposto por um golpe militar, a visão de Dom Pedro II, registrada em seu testamento político Fé de Ofício, revela um monarca à frente de seu tempo que sonhava com um Brasil de progresso forjado pela ciência e tecnologia, e governado por instituições liberais e republicanas. Seu legado transcende o fim da monarquia, deixando como herança a unidade territorial, a fundação de pilares do conhecimento como o IHGB e o Colégio Pedro II, e a base de ideais pacíficos e de saúde pública que moldaram o Estado brasileiro moderno, provando que suas aspirações por um futuro civilizado e culto continuam a ressoar na nação que ele ajudou a construir.
