Endurecimento penal é ilusão? Foco real para combater o crime: Inteligência policial e certeza da punição
Um debate frequente na sociedade e na política gira em torno de uma proposta aparentemente direta: para reduzir o crime, basta aumentar a severidade das penas. No entanto, especialistas em segurança pública alertam que essa é uma visão simplista que ignora a complexidade do problema. A análise de Guaracy Mingardi, analista criminal do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apresentada à CNN, desmistifica essa crença e aponta para os verdadeiros pilares de uma política de segurança eficaz.
O mito da solução simples: Por que aumentar penas não basta
O debate sobre segurança pública é frequentemente polarizado pela ideia de que, para reduzir o crime, basta tornar as penas mais longas e duras. Mingardi desmistifica essa crença, alertando que a visão é superficial e desvia o foco do que realmente torna o sistema de justiça eficaz.
- A punição em segundo plano: O especialista argumenta que o principal problema não é o tamanho da pena, mas sim a capacidade do Estado de identificar, prender e punir o criminoso.
- Certeza da punição como dissuasão: Um sistema que pune de forma ágil e consistente (alta probabilidade de ser pego) é muito mais dissuasor para o criminoso do que um sistema que ameaça com décadas de prisão, mas raramente aplica a lei.
A tese central: Foco na capacidade investigativa
O cerne da análise de Mingardi propõe uma correção de rumo urgente nas políticas de segurança: a efetividade do sistema reside na investigação, e não na punição em si.
- Investigação como prioridade: O recurso mais importante no combate à criminalidade é a capacidade de chegar ao criminoso. Isso exige investimento pesado e contínuo em inteligência e investigação policial.
- A pena vazia: Sem uma alta chance de ser processado e condenado, a ameaça de uma pena longa (como 30 anos) se torna uma "ameaça vazia" para a grande maioria dos crimes.
Impactos e vantagens da perspectiva especializada
A mudança de foco para a capacidade investigativa oferece benefícios estratégicos para a segurança pública e o Estado:
- Política baseada em evidências: Desvincula o debate de apelos emocionais e eleitoreiros, direcionando o investimento público para ações comprovadamente mais eficazes.
- Otimização de recursos: Investir em inteligência policial é mais eficiente e gera resultados mais rápidos do que a ampliação do tempo de encarceramento, que impõe custos sociais e econômicos altíssimos ao Estado.
- Visão sistêmica necessária: A segurança pública é um trabalho em rede. O sucesso depende da sinergia entre as polícias (na investigação), o Ministério Público (na acusação) e o Poder Judiciário (no julgamento). Se uma dessas engrenagens falha, todo o sistema perde eficácia.
O efeito limitado e pontual do endurecimento penal
Mingardi reconhece que o aumento de pena pode ter um impacto positivo, mas apenas em contextos muito específicos e sob condições rigorosas:
- Contexto de organizações criminosas: Em crimes graves, como homicídios praticados por facções, uma pena severa (ex: 30 anos) pode, de fato, fazer com que o criminoso "pense duas vezes".
- A condição irrevogável: No entanto, esse efeito dissuasor só existe se a probabilidade de o criminoso ser identificado, processado e condenado for real. O endurecimento penal não opera no vácuo.
Os desafios estruturais: O caminho para um estado robusto
Para que qualquer lei penal (branda ou severa) funcione, é fundamental a existência de um arcabouço estatal eficiente. O combate ao crime exige:
- Aprimoramento policial: Investimento em treinamento e equipamentos, focando na qualidade da investigação e na prevenção.
- Inteligência e tecnologia: Capacidade de desarticular organizações criminosas e prever a atuação do crime organizado por meio de trabalho de informação e infiltração.
- Agilidade do sistema de justiça: Garantir que o Ministério Público ofereça denúncias robustas e que o Judiciário conclua os processos em um prazo que seja relevante para o crime cometido.
Inteligência e persistência, Não severidade solitária
A análise de Mingardi é um chamado à racionalidade: o aumento de penas não é a "bala de prata" para os complexos desafios da segurança pública. A verdadeira e mais difícil resposta reside em um projeto de Estado que priorize:
1. Investimento e inteligente na capacidade investigativa.
2. Modernização integrada constante entre todas as instituições de justiça
O combate efetivo à criminalidade é, fundamentalmente, um trabalho de persistência, organização e inteligência, e não apenas uma questão de severidade legislativa.
