Tarifa Zero no Brasil: O segredo das cidades onde o ônibus já é gratuito
O transporte público gratuito, ou Tarifa Zero, deixou de ser uma ideia distante para se consolidar como uma política pública em franca expansão no Brasil. Impulsionado pela crise do modelo tradicional de financiamento e por seus benefícios comprovados, esse movimento ganha força e redesenha a mobilidade urbana no país.
As raízes da Tarifa Zero: Os pioneiros
A gratuidade no transporte tem uma história mais antiga do que se imagina no Brasil, com marcos importantes:
1992: Conchas (SP) - O Início da Jornada:
- Foi a primeira cidade a adotar a gratuidade, começando pelos estudantes e expandindo para o serviço universal.
- Apesar de ter interrompido a política nos anos 2000, marcou o precedente nacional.
1994: Monte Carmelo (MG) - A experiência mais longeva:
- Adotou a tarifa zero como estratégia para estruturar o sistema de transporte, substituindo vans irregulares e organizando o serviço.
- Mantém a política até hoje, representando a experiência ininterrupta mais duradoura do país.
A expansão acelerada: Um fenômeno global com liderança brasileira
O Brasil se destaca mundialmente pela adesão ao modelo, que cresceu exponencialmente nos últimos anos:
- Liderança mundial: O país ostenta o título de maior número de cidades com gratuidade total no mundo, superando a marca de 138 municípios.
- Crescimento vertiginoso: Desde 2020, o número de cidades que adotam a tarifa zero cresceu 228,5%, impulsionado, em grande parte, pelas mudanças e desafios impostos pela pandemia de Covid-19.
- Políticas parciais: Além da gratuidade integral diária, diversas cidades implementaram o benefício em dias específicos, como os ônibus gratuitos aos domingos em São Paulo.
O fator catalisador: A crise do modelo convencional
A ascensão da tarifa zero é inseparável do colapso do sistema tradicional de financiamento do transporte público no Brasil:
Dependência da tarifa:
- Mais de 90% dos municípios brasileiros dependem quase exclusivamente da tarifa paga pelo usuário para financiar o sistema, diferentemente de países europeus, onde os subsídios governamentais cobrem, em média, 55% dos custos.
Ciclo vicioso de colapso:
- Queda constante de passageiros (devido ao aumento de carros e aplicativos).
- Aumento do preço da passagem para compensar a perda de arrecadação.
- Piora da qualidade do serviço (frota velha, menos horários).
- Afasta ainda mais usuários, aprofundando a crise.
A janela da pandemia:
- Com a necessidade de injetar dinheiro público para manter o serviço durante a crise sanitária, muitas prefeituras optaram por assumir o custo total. Isso transformou o subsídio de empresas em subsídio ao cidadão, zerando a tarifa e colhendo os benefícios sociais.
Impactos multidimensionais da tarifa zero
A gratuidade é muito mais do que isenção de pagamento, gerando benefícios profundos em diversas áreas:
Inclusão social e equidade
- Acesso pleno à cidade: Garante o direito de ir e vir à população de baixa renda, que vive nas periferias e tem o custo do transporte como um peso significativo no orçamento.
- Política de redistribuição de renda: Alivia o orçamento familiar, funcionando como uma política indireta de combate à desigualdade.
Desenvolvimento econômico local
- Geração de emprego e renda: Estudos da FGV em 57 municípios com passe livre constataram um aumento de 3,2% nos empregos e 7,5% no número de empresas.
- Aquecimento do comércio: O acesso facilitado e a maior sobra de dinheiro no bolso do cidadão estimulam o consumo local.
- Viabilidade de custos: Manter a tarifa zero tem se mostrado viável para muitas administrações, representando, em média, apenas 1% a 2% do orçamento municipal.
Sustentabilidade e urbanismo
- Redução da poluição: O incentivo ao uso do ônibus em detrimento do carro particular levou a uma redução de 4,1% na emissão de gases de efeito estufa nas cidades analisadas.
- Melhoria do trânsito: O aumento do uso do transporte coletivo diminui o número de veículos nas ruas, reduzindo congestionamentos.
O futuro: A expansão para as metrópoles
O grande desafio é levar a tarifa zero para os grandes centros urbanos, exigindo novos modelos de financiamento e apoio federal:
- Projetos ambiciosos: Grandes cidades, como Belo Horizonte, discutem propostas como o
"Busão 0800", que prevê financiamento por meio de um imposto sobre empresas (substituindo o Vale-Transporte). - Necessidade de apoio federal: Especialistas defendem a criação de um sistema robusto, como um
"SUS do Transporte"ou um novo Marco Legal dos Transportes Públicos, em tramitação no Congresso. Tais medidas visam estabelecer diretrizes nacionais e fontes de financiamento mais sólidas, unificando a mobilidade urbana como um direito fundamental.
A Tarifa Zero no Brasil é uma poderosa ferramenta de transformação social, econômica e ambiental. Mais do que uma simples isenção, é um passo crucial para corrigir desigualdades históricas e garantir o pleno direito à cidade para milhões de brasileiros.
