Terceira via no Brasil? Quem são e o que querem os eleitores "Nem Lula, nem Bolsonaro"
O cenário político brasileiro é marcado por uma forte polarização, mas uma parcela significativa do eleitorado demonstra insatisfação e busca ativamente por alternativas à disputa entre Lula e Bolsonaro. Um artigo da cientista política Roberta Picussa de novembro de 2025, baseado em pesquisas do Instituto Quaest e em um estudo qualitativo do INCT-RedeM/UFPR, mergulha nas visões e motivações desse grupo.
Cenário de insatisfação: A força da opção não-polarizada
Pesquisas quantitativas confirmam que o desejo por uma alternativa é um fenômeno de peso, demonstrando que a polarização não captura todo o espectro político.
Rejeição aos polos: Há um consenso majoritário sobre a necessidade de renovação:
- 67% dos entrevistados acreditam que Bolsonaro não deveria ser candidato.
- 59% têm a mesma opinião sobre Lula.
Preferência por alternativas: As opções "fora do eixo" superam as de continuidade ou retorno:
- 24% dos entrevistados apontam o melhor cenário para 2026 como um nome não ligado a nenhum dos dois líderes.
- 17% preferem a vitória de um outsider (candidato sem histórico político).
A soma dessas preferências (41%) é maior do que a vontade por um retorno de Bolsonaro (15%) ou por um candidato apoiado por ele (11%).
Perfis do eleitorado desalinhado: Dois caminhos de insatisfação
O estudo qualitativo realizado com as classes C, D e E em São Paulo revelou que o eleitorado "nem Lula, nem Bolsonaro" não é um bloco único. Ele se divide em dois grupos com motivações e expectativas muito distintas:
1. Os céticos radicais: O grupo "sem posição ideológica"
Este grupo é movido pela descrença profunda e pela frustração com a política e as instituições democráticas.
- Visão de mundo: Sentem um profundo desencanto com as instituições, percebendo-as como corruptas e incapazes de cumprir promessas. Um participante resumiu: "parece que não tem ninguém lá por nós. Não adianta ter eleição."
- Abertura a soluções extremas: Valorizam discursos antissistema e acreditam que a mudança real não virá pelas regras atuais.
- Preferências: Simpatizam com figuras novatas ou dissidentes, podendo abrir caminho para soluções consideradas arriscadas, como a admiração por lideranças autoritárias (citando o exemplo de El Salvador) ou até ideias de fragmentação territorial.
- Desafio: Seu ceticismo radical pode levar a apoios perigosos ou à completa desmobilização (abstenção/nulo/branco).
2. Os renovadores moderados: O grupo de "centro"
Este grupo também busca renovação, mas mantém uma postura mais pragmática e esperançosa em relação ao sistema político.
- Visão de mundo: Buscam uma mudança que combine novidade com competência e experiência comprovada. Valorizam a capacidade de governança.
- Abertura à experiência: Não desprezam a experiência política. Um professor de dança, ex-eleitor de Lula, enfatizou: "pra chegar a ser candidato a presidente do Brasil tem que ter passado por vários outros cargos antes."
- Preferências: São mais propensos a apoiar candidaturas de "terceira via" que tenham uma trajetória sólida. O candidato ideal é aquele que desafia o status quo sem abrir mão da capacidade de diálogo ("com ambos os lados") e de governabilidade.
- Desafio: São mais exigentes em relação ao histórico e às realizações concretas do candidato.
Os caminhos possíveis para o voto não-polarizado
A coexistência desses dois perfis, o ceticismo radical e a renovação moderada, torna complexo o esforço de qualquer candidatura para capturar o voto não-polarizado. A insatisfação é multifacetada e não há uma solução única.
A pesquisa aponta para três trajetórias principais, tornando a ideia de uma única e unificadora "terceira via" pouco realista:
1. Ascensão de outsiders antissistema: Uma candidatura focada em retórica de ruptura atrairia o grupo dos Céticos Radicais.
2. Fragmentação do voto: A dispersão da preferência entre diversas alternativas (mais pragmáticas e experientes) agradaria parcelas do grupo de Renovadores Moderados.
3. Fortalecimento da desmobilização: O aumento das taxas de abstenção, votos nulos e brancos como resultado do profundo desencanto.
Em última análise, o futuro político será moldado não por uma única alternativa capaz de unificar esse segmento, mas pela fragmentação das preferências ou pelo reforço de discursos que exploram o desencanto generalizado com a política institucional.
