O fim da impunidade digital? Influenciadoras recebem pena dura por racismo contra crianças - A crueldade travestida de zoação

Em um caso com grande repercussão nacional, a justiça brasileira enviou uma mensagem clara contra o racismo. Em maio de 2024, a justiça do Rio de Janeiro condenou duas influenciadoras digitais a uma pena severa por um crime de racismo cometido contra duas crianças. A decisão vai além de uma simples sentença: ela estabelece um precedente sobre a gravidade do racismo, a responsabilidade de figuras públicas e a falta de impunidade na internet.
Os fatos: A crueldade disfarçada de "desafio"
O crime ocorreu em 2023, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro. As rés, Nancy Gonçalves Cunha Ferreira e sua filha, Kerollen Vitória Cunha Ferreira, eram criadoras de conteúdo digital.
- As vítimas, duas crianças de nove e dez anos, participaram de um suposto "desafio" proposto pelas influenciadoras.
Elas poderiam escolher entre uma pequena quantia em dinheiro ou um "presente misterioso"
. Ao optarem pelo presente, foram surpreendidas com um ato profundamente racista: receberam bananas e um macaco de pelúcia. O ato, que utilizou símbolos historicamente ligados à desumanização de pessoas negras, foi filmado, editado e publicado nas redes sociais das acusadas, onde foi monetizado, gerando engajamento e lucro.
A sentença: Pena severa e reparação
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A sentença, proferida pela juíza Simone de Faria Ferraz da 1ª Vara Criminal de São Gonçalo, foi incisiva. As duas influenciadoras foram condenadas a
12 anos de prisão em regime fechado
pelo crime de racismo. Além da pena privativa de liberdade, a juíza determinou o pagamento de uma indenização por danos morais no valor deR$ 20 mil
para cada criança vitimada. -
Em sua fundamentação, a magistrada foi categórica ao analisar a conduta das rés, destacando que elas não apenas praticaram o ato discriminatório, mas também monetizaram a dor e a humilhação das vítimas.
A sentença ressalta: “ao fazer jocoso o anseio de crianças, entregando-lhes banana ou macaquinho de pelúcia, animalizando-as para além do humano, riram de suas opções cegas, em verdade, sem escolha”.
A importância do caso
- Marco no combate ao racismo digital: O caso prova que a internet não é uma terra sem lei e que crimes de ódio online, especialmente por influenciadores, serão punidos.
- Gravidade do crime de racismo: A condenação reforça que o racismo é um crime inafiançável e imprescritível no Brasil, e que a Lei Caó (Lei 7.716/89) deve ser aplicada com rigor.
- Responsabilidade dos influenciadores: O julgamento serve como um alerta para que criadores de conteúdo entendam sua responsabilidade social e não utilizem seu poder de influência para promover discriminação.
- Proteção integral à criança: A sentença reconheceu a vulnerabilidade das vítimas, agravando a reprovação da conduta das adultas que se aproveitaram dessa condição.
A defesa e o próximo passo
O advogado das influenciadoras, Mário Jorge dos Santos Tavares, afirmou que as rés sempre colaboraram com o processo e que confiam na justiça. A defesa indicou que deve recorrer da decisão.
"Este veredicto é um marco contra a desumanização flagrante. No entanto, a cultura que animaliza uma pessoa pela cor da sua pele é a mesma que ridiculariza outra pelo formato do seu corpo ou pela sua capacidade cognitiva. A justiça puniu o ato explícito, mas a batalha maior é contra a mentalidade que ainda vê a humilhação do outro como entretenimento, vestindo a crueldade com o casaco folgado da 'brincadeira'."
Um alerta necessário
A condenação de Nancy e Kerollen Ferreira é um sinal potente de que o sistema de justiça está evoluindo no enfrentamento ao racismo estrutural. O caso deixa claro que atos de discriminação, especialmente quando exploram a vulnerabilidade infantil e monetizam o ódio, terão consequências graves. Essa decisão histórica ressalta um princípio fundamental: a dignidade humana é inviolável, e qualquer violação a esse princípio, quando amplificada pelas redes sociais, será punida com todo o rigor da lei.