Por que os brasileiros são obcecados pelos ricos? Entenda os códigos da elite e como a desigualdade é mantida no Brasil

Imagine pagar 15 mil euros pela réplica de um perfume para reviver uma tradição familiar, enquanto milhões de pessoas vivem na miséria. Esse episódio, vivido pelo antropólogo Michel Alcoforado durante sua pesquisa com a elite brasileira, é um símbolo potente dos abismos que separam as classes sociais no Brasil. Em seu livro "Coisa de Rico: A Vida dos Endinheirados Brasileiros", que se tornou um best-seller com mais de 37 mil cópias vendidas em dois meses, Alcoforado decidiu investigar um grupo pouco estudado pelas ciências sociais: os super-ricos. A sua tese central é fascinante e reveladora: O brasileiro é obcecado pelos ricos devido a uma "crença ilusória" na mobilidade social, uma ideia de que qualquer um pode, um dia, alcançar aquele patamar.
A jornada do pesquisador: Infiltrando-se na elite
Para realizar sua pesquisa, Alcoforado não pôde simplesmente bater na porta e fazer perguntas. Ele precisou se tornar um "antropólogo do luxo", uma persona especialista que fosse aceita nesse círculo fechado. Seu processo de infiltração foi marcado por testes de reconhecimento impostos pela elite:
- A performance da vida ocupada: O constante "não tenho tempo" era mais do que uma agenda cheia; era uma performance para marcar importância e exigir deferência.
- Encontros ensaíados: Jantares e cerimônias com etiquetas complexas (muitos copos, talheres e bules) serviam como rituais para testar seu conhecimento dos códigos sociais.
- A construção da pertencimento: Ele percebeu que, para ser aceito sem ser rico, precisava se tornar um especialista, alguém cujo saber sobre o mundo do luxo o tornava interessante e útil para os ricos, que o usavam como um "pretexto" para novos encontros sociais.
A relevância do estudo: Por que olhar para os ricos é fundamental
- Entender a desigualdade persistente: Alcoforado argumenta que a desigualdade social brasileira se mantém historicamente estável, independentemente do governo ou momento econômico. Olhar para as elites é crucial para compreender como essa estrutura é reproduzida e mantida.
- Compreender a "fábrica do Brasil": O Brasil não é moldado apenas pelas classes média e baixa. As elites, com seu poder de decisão e influência, têm um papel decisivo na construção da sociedade.
- Revelar os mecanismos de distinção: A pesquisa vai além do dinheiro, mostrando que a riqueza no Brasil é uma questão de performance e domínio de códigos sutis que separam e hierarquizam.
A lógica da conquista e a naturalização do poder
Diferente do "self-made man" americano, que é admirado por sua trajetória de construção, a elite brasileira opera sob a lógica do "conquistador". Essa ideia é fundamental para naturalizar sua posição, como se ela sempre tivesse sido destinada a estar no topo. Tudo é estruturado para parecer "desde sempre": a mesma escola para os filhos, as mesmas viagens a Paris, as mesmas bolsas. O percurso para a riqueza não interessa; o que importa é a aparência de uma riqueza sempre existente e, portanto, legítima.
A obsessão nacional e a performance da riqueza
O sucesso do livro de Alcoforado não é por acaso. Ele explica que, ao contrário de países como a França, onde há uma tradição de criticar os ricos, no Brasil nós os adoramos. Essa obsessão tem duas razões principais:
1.
A crença ilusória: Muitos brasileiros nutrem a esperança de que, um dia, também ficarão ricos, tornando a vida dos atuais endinheirados um objeto de fascínio e aspiração.
2.
A cultura da performance: No Brasil, dinheiro é apenas uma parte da riqueza. O mais importante é performar a riqueza, independentemente de se tê-la de fato. Isso explica o sucesso de colunistas de etiqueta, influenciadores de alta sociedade e personagens ricos nas novelas. Todos ensinam ou exemplificam como performar um status superior.
Mais do que dinheiro, uma questão de sociedade
A pesquisa de Michel Alcoforado conclui que definir um rico no Brasil apenas por renda ou patrimônio é insuficiente. A riqueza é um estilo de vida que, em um país tão desigual como o Brasil, é inacessível para a vasta maioria. Quem tem um bom apartamento em bairro nobre, viaja para o exterior nas férias e consome marcas específicas já vive um padrão que, em qualquer país com menor desigualdade, seria considerado de rico. O trabalho do antropólogo não é sobre indivíduos, mas sobre um modelo de sociedade que constrói muros altíssimos entre as classes. A saída, como ele sugere, não é eliminar as diferenças, mas construir mais pontes e aceitar que os encontros entre diferentes são possíveis e necessários para um país mais harmonioso. A grande lição é que a desigualdade não é um acidente, mas um sistema mantido por performances, códigos e uma crença coletiva que precisa ser desafiada.