Troca de sexo por drogas: Por que jovens em acolhimento a encaram como transação, e não como exploração?
Este resumo apresenta os achados de uma pesquisa pioneira que mergulha em um tema socialmente delicado e pouco explorado no Brasil: O envolvimento de adolescentes em casas de acolhimento institucional com dinâmicas do mercado do sexo.
O cenário da pesquisa
- Pioneirismo nacional: Liderado pelas pesquisadoras Tatiana Savoia Landini e Cláudia M. M. de Carvalho (UNIFESP), este é um dos primeiros estudos sistemáticos no Brasil sobre o tema, já abordado em outros países como o Canadá.
- Onde e como: O estudo entrevistou, entre 2024 e 2025, profissionais dos Serviços de Acolhimento Institucional de um município de médio porte.
- O papel do acolhimento: Tais serviços são responsáveis por acolher provisória e excepcionalmente crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por medida protetiva.
A dinâmica central revelada
A pesquisa identificou duas dinâmicas principais entre os adolescentes, mas focou em uma delas:
- Troca ocasional de sexo por substâncias: A prática mais comum, especialmente entre as meninas, é a troca esporádica de sexo por bebidas ou drogas.
- Motivação: Essa estratégia visa manter o uso ocasional de substâncias ou, em menor número, sustentar o vício.
- Localização: Os "programas" ocorrem no centro da cidade ou na comunidade próxima aos centros de acolhimento.
Uma questão de perspectiva: O que é exploração?
O estudo revela uma diferença crucial na forma como a situação é compreendida pelos envolvidos:
Para os adolescentes (meninas e meninos):
- Não é exploração: Eles traçam uma linha clara. Para eles, prostituição seria ter um ponto fixo, clientela definida e local de trabalho.
- Transação pontual: A troca de sexo oral, por exemplo, por uma dose de maconha, cocaína ou lança-perfume é vista como uma simples transação para obter o que desejam, não sendo classificada como prostituição ou exploração sexual.
Para os profissionais do acolhimento:
- Risco imediato e oculto: A prática é vista com extrema preocupação, tanto pelos perigos visíveis (ISTs, gravidez) quanto pelos riscos não percebidos pelos jovens: o aliciamento e a exposição a redes de exploração mais amplas.
O perigo do aliciamento por pares
Um caso concreto ilustra a complexidade do risco:
- O Bar e a "Ajuda": Um bar próximo a uma casa de acolhimento era ponto de encontro. Adolescentes mais antigas convidavam as recém-chegadas, ensinando o "caminho" para conseguir drogas ou dinheiro.
- "Solidariedade" vs. Risco: Na visão das meninas, era um ato de solidariedade, uma forma de ajudar. Na visão dos profissionais, era uma forma de aliciamento feito pelo próprio grupo de pares.
- Agravamento: A investigação confirmou suspeitas mais sérias: o dono do bar mantinha um acervo de fotos pornográficas das meninas, resultando em denúncia policial.
Como prevenir e enfrentar
O estudo conclui que a alegada "livre escolha" dos adolescentes deve ser compreendida como um reflexo de profundas vulnerabilidades: marginalização, pobreza, histórico de negligência/abuso e falta de perspectivas futuras.
Para um enfrentamento eficaz, é preciso ir além de leis mais duras:
- Foco nos direitos fundamentais: Garantir o acesso a escolas de qualidade, emprego e trabalho decentes, e opções de lazer.
- Educação integral: Implementar políticas de igualdade de gênero e educação sexual robusta, tanto nas escolas quanto nas unidades de acolhimento.
É somente atacando as raízes da vulnerabilidade social que o Estado poderá oferecer proteção real e um futuro diferente para esses jovens.
