Algoritmo do crime: Por que fotos de jovens com fuzis seguem ativas no Instagram e TikTok?
O fenômeno da ostentação do crime organizado em plataformas digitais não é apenas um modismo, mas sim uma complexa estratégia de propaganda, poder e recrutamento que atinge jovens vulneráveis. Este resumo explora as facetas desse problema, desde o comportamento criminoso até a responsabilidade das grandes empresas de tecnologia.
A prova do crime no feed
A polícia tem usado as redes sociais como peça central em investigações. Um relatório notório da Polícia Civil do Rio de Janeiro, por exemplo, revelou que perfis de suspeitos – incluindo um adolescente de 14 anos – exibindo armas, drogas e dinheiro, eram usados como evidências de vínculo com o tráfico.
- O caso emblemático: A morte de um adolescente que postava fotos segurando um fuzil levantou duas questões cruciais:
o que leva um jovem a essa exposição e por que as plataformas permitem que esse conteúdo circule?
A cultura da ostentação: O poder do status digital
Especialistas em segurança pública afirmam que a exibição online é parte de uma cultura de ostentação. Não basta cometer o crime, é preciso documentá-lo e divulgá-lo para a comunidade digital.
- A regra da exposição: O professor Rafael Alcadipani sintetiza a mentalidade: "Não basta o sujeito ter o fuzil; ele quer postar o fuzil."
- O marketing do tráfico: Perfis criminosos exibem uma "rotina" com motos, notas de dinheiro e armas, transformando o tráfico em um modelo de vida a ser seguido, especialmente por adolescentes.
Estratégias de viralização: Para alcançar mais pessoas, são usadas técnicas comuns das redes sociais, como:
1. Uso de hashtags populares (#fyp, #viral).
2. Participação em trends (desafios e formatos em alta).
3. Associação das imagens a músicas famosas.
Ocultação e símbolos: Muitos cobrem rostos e armas com emojis para anonimato, enquanto outros ostentam orgulhosamente hashtags de "tropas" específicas, evidenciando seu pertencimento a facções.
A psicologia do jovem recrutado: Visibilidade e pertencimento
A ostentação digital explora uma profunda carência emocional e social em jovens, atuando como um poderoso vetor de recrutamento.
- A busca por ser visto: Para a promotora Gabriela Lusquiños, a motivação central é a busca por visibilidade:
"A grande maioria desses adolescentes são invisíveis no mundo aqui fora." - O status e a identidade: A estética do crime associada a poder, dinheiro fácil e status uniformiza um imaginário de sucesso.
- A figura paterna no crime: A fragilidade na estrutura familiar, como a ausência de uma figura paterna, é preenchida pela figura de autoridade do traficante, oferecendo ao jovem o reconhecimento e o senso de pertencimento que ele não encontra em casa.
- Arma como símbolo de poder: A juíza Vanessa Cavalieri relata que, em comunidades, há até o aluguel de armas (inclusive réplicas), não apenas para o crime, mas para exibição social, como "ir para o baile armado" e "pegar mulher", confirmando que a arma funciona primariamente como um símbolo de status a ser ostentado.
Impunidade e a responsabilidade das Big Techs
A circulação desimpedida desse conteúdo criminoso é fortalecida por uma percepção de impunidade e pela lentidão das plataformas digitais.
- A sensação de impunidade: A juíza Cavalieri aponta que os jovens têm "muita certeza da impunidade, de que nada vai acontecer," vendo as redes sociais como um "território livre para o crime."
- Crítica às plataformas: Há uma forte crítica à inação das Big Techs, que, segundo as autoridades, deveriam comunicar imediatamente a exposição de armas e apologia ao crime às autoridades, o que não ocorre de forma sistemática.
Posicionamento das instituições:
- A AGU (Advocacia-Geral da União) manifestou-se, citando o Marco Civil da Internet, e afirmou que a remoção imediata de conteúdo é responsabilidade da própria plataforma sob pena de responsabilização legal.
- O Ministério dos Direitos Humanos reforçou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e orientou a denúncia de conteúdos violadores via Disque 100.
- Defesa das Big Techs: Empresas como Meta (Instagram/Facebook) e TikTok afirmam que suas políticas proíbem a promoção de atividades criminosas e de armas, mas dependem de denúncias para identificar e remover o material.
Soluções que vão além da repressão
A ostentação digital é um sintoma complexo que exige uma resposta dupla e urgente, pois estratégias puramente repressivas são insuficientes.
- O ciclo da renovação: Estudos internacionais, como o realizado sobre cartéis, mostram que a prisão de membros é ineficaz a longo prazo, pois as organizações criminosas se renovam rapidamente ao recrutar novos jovens.
A necessidade de um duplo enfrentamento:
- Ação imediata das plataformas: A exigência de regulação e ação efetiva das Big Techs para coibir a apologia ao crime.
- Políticas públicas sólidas: É crucial oferecer aos jovens oportunidades educacionais e profissionais que superem o "status" e os "benefícios" ilusórios do crime.
A ostentação do crime nas redes é mais que apologia: é uma crise de recrutamento. Enquanto o like se traduz em status e o fuzil em pertencimento para jovens invisibilizados, a inação das plataformas e a falta de oportunidades robustas selam um ciclo vicioso. Combater essa propaganda exige a ação imediata das Big Techs e, crucialmente, investimento maciço em futuros que ofereçam mais valor do que a visibilidade efêmera do crime digital.
