"Jesus é dono do lugar": Como a facção "evangélica" (TCP) se tornou a 3ª força do crime organizado no Brasil
O artigo da BBC News Brasil, escrito por Camilla Veras Mota, revela a expansão notável do Terceiro Comando Puro (TCP), uma facção criminosa que incorpora símbolos e discursos evangélicos, emergindo como a terceira maior força no cenário do crime organizado brasileiro.
O símbolo e a liderança no Rio de Janeiro
- O Complexo de Israel: O TCP consolidou sua marca no Rio de Janeiro, em 2020, dominando cinco comunidades na Zona Norte, que ficaram conhecidas como "Complexo de Israel".
- A Estrela de Davi: Um dos símbolos mais notórios do grupo era uma enorme estrela de Davi de neon, que brilhava forte em uma caixa d'água de Parada de Lucas, indicando o domínio da facção.
- Nota: O símbolo foi destruído pela Polícia Militar em março de 2024, em uma operação que também demoliu um "resort" de luxo do líder do tráfico no local.
- A figura de "Peixão": O chefe do tráfico, Álvaro Malaquias Santa Rosa, o "Peixão" (39 anos), é uma figura cercada de mistérios. Há relatos que o apontam como pastor ou convertido por influência da mãe. Ele nunca passou pelo sistema carcerário.
Expansão nacional e reconhecimento da inteligência
- Crescimento acelerado: Apesar da ação policial no Rio, a facção está em franca expansão para além dos limites do estado.
- Alcance geográfico: Segundo levantamento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o TCP se expandiu para dez estados brasileiros, incluindo Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Ceará, Amapá, Acre, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul.
- Terceira força emergente: O crescimento coloca o TCP como o "terceiro grupo emergente no contexto nacional", atrás apenas dos rivais Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC).
A chegada ao Ceará e a intolerância religiosa
- Nova fronteira: O Ceará é uma das fronteiras mais recentes cruzadas pela facção, com a estrela de Davi e pichações como "Jesus é dono do lugar" surgindo em cidades como Maracanaú, na região metropolitana de Fortaleza.
- Intolerância religiosa: A presença do TCP tem sido ligada a casos de intolerância religiosa. Em outubro de 2024, correu a notícia de que pelo menos quatro terreiros de umbanda na região haviam sido fechados a mando do grupo.
- Aliança estratégica: A entrada no Ceará se deu pela aliança com a facção local Guardiões do Estado (GDE), seguindo um padrão de expansão comum no crime organizado para incorporar grupos locais.
Características e relações do TCP
A facção se distingue por algumas características, além do componente religioso:
- Relação com a polícia: Possui uma relação menos conflituosa com as autoridades policiais em áreas que domina no Rio de Janeiro, o que minimiza confrontos.
- Aliança com o PCC: A formação de uma aliança com o PCC abriu o acesso a uma rede maior de crime organizado e a mercados internacionais.
- Aproximação com milícias: O TCP se aproxima de grupos milicianos e adota práticas de extorsão, modalidade que tenta replicar em outros estados.
Narcopentecostalismo e o conflito ideológico
O uso da fé pelo TCP é enquadrado no que pesquisadores chamam de "narcopentecostalismo":
- Religião como identidade: A religião foi além da escolha individual de traficantes e passou a influenciar a identidade do grupo, com a incorporação de discursos, símbolos e ritos evangélicos na conduta criminosa.
- Guerra espiritual: A facção utiliza o discurso religioso para legitimar a expansão territorial. O combate a rivais, especialmente o Comando Vermelho (tradicionalmente ligado a religiões de matriz africana), é compreendido como uma "guerra espiritual".
- Justificativa da violência: A violência, incluindo assassinatos, torturas e extorsões, é legitimada como um "combate bélico e violento em nome da purificação religiosa e do combate das forças diabólicas, do mal".
- Força da retórica: Embora não pratique uma "teologia profunda", a retórica evangélica do TCP é poderosa na criação de uma "unidade ideológica" e pode continuar atraindo adeptos. No Ceará, 43,2% da população carcerária se declara evangélica.
Impacto da violência no Ceará
O antagonismo do TCP com o CV alimenta a preocupação de especialistas em segurança pública:
- Disputa territorial: A expansão do TCP intensifica a disputa por territórios, o que pode reverter a recente queda nas taxas de homicídio do Ceará.
- Cidades violentas: Três municípios cearenses, incluindo o primeiro lugar (Maranguape) e Maracanaú, estão entre os dez com a maior taxa de homicídios do país.
Consequências sociais: A disputa entre facções tem provocado:
- Fechamento temporário de escolas.
- Deslocamento forçado de moradores, transformando vilarejos em "cidades-fantasma".
- Separação de famílias e isolamento de jovens, que evitam falar sobre o assunto por medo de perder a vida.
A ascensão do TCP que funde a simbologia neopentecostal com a violência do crime organizado não é apenas uma nova ameaça, mas sim o prenúncio de uma nova e complexa era na segurança pública brasileira. A intersecção explosiva entre fé e fuzil, onde a religião é perigosamente usada como motor de manipulação e legitimação para o crime, exige que o Estado enfrente não só o tráfico de drogas, mas também a ideologia do "narcopentecostalismo", tornando o debate sobre o controle territorial e social mais urgente do que nunca.
