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quarta-feira, 3 de dezembro de 2025 às 11:59 GMT+0

Algospeak - A censura invisível: A linha entre 'dinheiro e liberdade de expressão' das palavras que não se pode usar na internet

Imagine que você está escrevendo uma postagem importante nas redes sociais e, de repente, hesita. O uso de certas palavras pode fazer com que seu conteúdo seja ocultado, desmonetizado ou removido pelos sistemas da plataforma? Essa insegurança é uma realidade para milhões de usuários e criadores de conteúdo, que desenvolveram uma linguagem codificada e eufemística para "burlar" os algoritmos.

Esse fenômeno é conhecido como "Algospeak" (em português, "linguagem algorítmica") e se manifesta como uma adaptação linguística espontânea e coletiva, motivada pelo medo da censura invisível dos algoritmos. Este resumo, baseado no artigo da BBC Future e em fontes confiáveis complementares, explora a origem, os mecanismos, os impactos e as controvérsias desse comportamento digital.

O que é algospeak e sua motivação

Algospeak é um conjunto de eufemismos, códigos e substituições de palavras que os usuários empregam para evitar supostas ou reais restrições automáticas das plataformas.

  • Exemplos práticos: Usar "seggs" no lugar de "sexo"; "unalive" em vez de "morrer" ou "suicídio"; ou "panela de pressão" ou "acessório de cozinha" para se referir a "arma". Em outros contextos, o financista Jeffrey Epstein foi chamado de "Homem da Ilha", e protestos contra a imigração nos EUA foram descritos como um "festival de música".
  • Motivação principal: Os usuários acreditam que os algoritmos das redes sociais (como Meta, TikTok e YouTube) identificam e suprimem conteúdos que contenham certas palavras-chave. Isso é feito para cumprir políticas de comunidade, atrair anunciantes ou evitar controvérsias. A incerteza sobre o que realmente desencadeia a censura é o que alimenta a criação desses códigos.

A contradição: Negação das plataformas versus realidade

As grandes empresas de tecnologia negam veementemente a existência de "listas de palavras proibidas".

  • Posicionamento oficial: Porta-vozes de empresas como YouTube (Boot Bullwinkle) afirmam que "o YouTube não tem uma lista de palavras restritas ou proibidas... o contexto é importante". Meta (Facebook e Instagram) e TikTok emitiram declarações similares, alegando que suas políticas buscam equilibrar segurança e liberdade de expressão, priorizando a análise contextual.
  • A contradição evidente: Apesar da negação, investigações jornalísticas e documentos vazados demonstram que, na prática, as plataformas nem sempre são transparentes ou neutras.
  • Facebook/Instagram: A Human Rights Watch e a BBC documentaram a supressão sistemática de conteúdo de usuários e ativistas palestinos após os ataques de 7 de outubro de 2023. A Meta atribuiu os casos a "erros".
  • TikTok: Vazamentos de 2019 revelaram que a plataforma instruía moderadores a suprimir postagens de usuários considerados "feios", pobres, com deficiência ou LGBTQIA+, com o objetivo de manter um ambiente "mais atraente".
  • Controle secreto: Em 2023, o TikTok admitiu ter um "botão secreto" (conhecido como “heating”) para impulsionar artificialmente a viralidade de vídeos específicos, muitas vezes em benefício de parceiros comerciais. Essa admissão levou usuários a deduzir, como o criador Alex Pearlman:

"Se eles têm um botão para viralizar, provavelmente têm um para esfriar as coisas".

Consequências: Distorção do debate público

A incerteza e a autocensura geram impactos significativos na forma como a sociedade se comunica e acessa informações cruciais.

  • Empobrecimento do discurso: Assuntos sérios são discutidos com linguagem infantilizada ou codificada. Ao referir-se a Epstein como "Homem da Ilha", como aponta Pearlman, "uma grande parte do público não irá saber de quem você está falando".
  • Silenciamento indireto: Criadores, especialmente aqueles que dependem das plataformas para renda, evitam completamente temas sensíveis para não arriscar a desmonetização ou o alcance. Em um mundo onde as redes são a principal fonte de notícias, debates importantes podem não chegar ao público.
  • Teorias folclóricas e "imaginário algorítmico": A opacidade dos algoritmos fomenta a criação de "teorias folclóricas", termo da professora Sarah T. Roberts (UCLA). O caso do "festival de música" ilustra isso: a crença na censura fez com que milhares de pessoas adotassem o código, que, por sua vez, viralizou mais que os vídeos originais, confirmando falsamente a suspeita inicial. Esse fenômeno é o "imaginário algorítmico": nossas crenças sobre o algoritmo moldam nosso comportamento, que, por sua vez, molda o que o algoritmo nos mostra.

O verdadeiro motor: Segurança ou lucro?

Especialistas argumentam que o motor por trás das decisões de moderação e dos ajustes de algoritmo é, em última análise, a maximização do lucro.

  • Lógica comercial: As redes sociais são negócios financiados por publicidade. O objetivo é manter os usuários engajados e oferecer um ambiente "seguro" e não polêmico para os anunciantes, evitando também problemas com reguladores. Como explica Sarah Roberts, "toda mudança de algoritmo e toda decisão de moderação de conteúdo se resume a este objetivo".
  • Confusão generalizada: Criadores de conteúdo, como a ativista digital Ariana Jasmine Afshar, vivem em um estado de incerteza: "é real, mas é difícil separar os fatos da ficção... para falar a verdade, elas realmente me deixam confusa".

Além do código, um sintoma de poder

O Algospeak é muito mais do que um conjunto de gírias; é um sintoma visível de uma dinâmica de poder opaca que define o discurso público na era digital.

  • Democracia e informação: impacta diretamente a forma como acessamos notícias e discutimos políticas públicas.
  • Liberdade de expressão: levanta questões críticas sobre o poder das corporações em moldar narrativas e o perigo da censura.
  • Psicologia social: revela como o medo de uma punição invisível (o algoritmo) altera comportamentos coletivos.
  • Questionamento final: A professora Sarah T. Roberts levanta uma reflexão crucial: O uso do Algospeak é uma tática de resistência dentro do sistema, mas a discussão maior que ele incita é a necessidade de repensarmos coletivamente a infraestrutura da nossa esfera pública digital.

Em última análise, entender o Algospeak é compreender a complexa e contraditória relação entre usuários, plataformas, anunciantes e governos. É um jogo de gato e rato linguístico, onde a busca por visibilidade e o controle do discurso continuam a moldar as palavras que escolhemos dizer ou não dizer online.

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