Deathbots: A polêmica IA que conversa com os mortos? Ressurreição digital e limites éticos - Os perigos dos robôs do luto
O conceito de "deathbots" representa um dos desenvolvimentos mais fascinantes e eticamente complexos da inteligência artificial. Este resumo didático, baseado no artigo de Eva Nieto McAvoy e Jenny Kidd, e em conceitos académicos relacionados, explora a promessa e os perigos desta emergente realidade tecnológica que desafia a natureza da morte e da memória humana.
O que são deathbots e o seu duplo digital
Deathbots são sistemas de Inteligência Artificial (IA) projetados para simular a personalidade, o estilo de comunicação e os conhecimentos de uma pessoa que já faleceu. O seu funcionamento baseia-se na criação de um duplo digital a partir do rasto de dados que o indivíduo deixou.
A base de dados da vida:
- O arquivo involuntário: O sistema é alimentado pelos "traços digitais" da pessoa falecida, incluindo e-mails, mensagens de texto, publicações em redes sociais, gravações de voz e vídeos.
- O processamento da IA: Algoritmos complexos analisam estes dados para identificar padrões de fala, vocabulário e estilo de comunicação, permitindo que a IA gere respostas que imitam a voz da pessoa.
Os dois tipos de interação:
- Arquivo interativo de memórias: Funcionam como bibliotecas personalizadas, onde histórias de vida (gravadas ou carregadas) são indexadas por temas ("Infância", "Conselhos"). Permitem aos enlutados pesquisar e explorar memórias de forma estruturada.
- Conversação generativa contínua: Utilizam IA generativa para criar chatbots que podem manter diálogos em tempo real, gerando respostas no estilo e tom da pessoa falecida, com a ambição de simular uma conversa fluida e em evolução.
Relevância multidimensional: Para além da tecnologia
O surgimento dos deathbots não é apenas uma curiosidade tecnológica, mas um fenómeno com profundas implicações culturais, económicas, éticas e filosóficas.
Implicações culturais e no luto:
- Modernização do espiritualismo: Como sugere a teórica Simone Natale, a IA apenas moderniza um desejo humano ancestral de comunicar com os falecidos.
- Conforto vs. Ilusão: Podem oferecer uma sensação de continuidade e presença, potencialmente reconfortante. No entanto, esta "empatia algorítmica" corre o risco de criar uma ilusão de imortalidade digital, dificultando a aceitação da perda e o processo de luto.
Implicações éticas e económicas:
- A economia política da morte: Os filósofos Carl Öhman e Luciano Floridi enquadram este setor como um modelo de negócio. Os dados pessoais continuam a gerar valor económico (freemium e subscrições) muito depois da morte, numa exploração da "economia política da morte".
- Privacidade e monopolização emocional: As plataformas não só utilizam os dados do falecido, como também recolhem dados emocionais e biométricos dos utilizadores vivos, como aponta o professor Andrew McStay, enquadrando-se na "economia de IA emocional" onde as experiências íntimas são monetizadas.
Implicações filosóficas sobre a memória:
- Armazenamento vs. Memória: A teórica Wendy Chun alerta para a confusão entre o "armazenamento" digital e a "memória" humana. A memória é relacional, seletiva e imperfeita, enquanto o arquivo digital promete a preservação total.
- A corrosão do esquecimento: O esquecimento é uma parte essencial do processo de luto e de recordação saudável. A disponibilidade infinita e o arquivo completo podem corroer este processo natural de "deixar ir".
As descobertas: A falha da intimidade sintética
A experiência das investigadoras McAvoy e Kidd ao testarem as plataformas expôs as principais falhas da promessa de autenticidade e intimidade.
A rigidez algorítmica:
- A ilusão da personalização: O esforço para personalizar o deathbot resultava paradoxalmente numa interação mais artificial. O sistema caía frequentemente na repetição de frases programadas, revelando uma rigidez que quebrava a ilusão da conversa real.
- Incompetência emocional: Os algoritmos mostraram-se incapazes de lidar com a complexidade do luto. O uso de emojis alegres ou frases de encorajamento em contextos de perda expôs uma incongruência perturbadora e a falta de qualquer compreensão genuína do contexto emocional.
Os limites da conversação "pós-morte":
- Monotonia e genericidade: Como o estudioso Andrew Hoskins aponta, a memória torna-se "conversacional" na era da IA. Contudo, as conversas com os deathbots eram frequentemente genéricas e monótonas, expondo os limites da intimidade sintética e a incapacidade de capturar as contradições e a ambiguidade de uma personalidade viva.
Um espelho algorítmico do nosso desejo
A experiência com os deathbots sugere que a verdadeira conversa não é com os falecidos, mas com os nossos próprios medos, desejos e expetativas projetadas na tecnologia.
- A inviabilidade da réplica total: A IA pode preservar histórias e vozes de forma poderosa, mas é fundamentalmente impossibilitada de replicar a complexidade e a vivacidade de uma pessoa ou de uma relação real.
- O valor do fracasso: As "vidas pós-morte sintéticas" são, paradoxalmente, mais instrutivas nos seus fracassos do que nos seus sucessos.
-** O essencial da memória humana:** Estes chatbots funcionam como um espelho: recordam-nos que a memória é um processo humano, imperfeito e evolutivo, e não um produto estático a ser consumido. - O risco da disponibilidade infinita: Ao prometer uma presença eterna, a ressurreição digital arrisca-se a minar a essência do luto, substituindo a finalidade necessária pela ansiedade de uma disponibilidade constante.
A jornada pelos deathbots revela que a verdadeira conversa não é com os mortos, mas com as nossas próprias expectativas, medos e desejos projetados numa máquina. A IA pode, de fato, ajudar a preservar histórias e vozas de formas sem precedentes, mas está fundamentalmente impossibilitada de replicar a complexidade viva de uma pessoa ou de uma relação. As "vidas pós-morte sintéticas" são, paradoxalmente, mais valiosas pelos seus fracassos do que pelos seus sucessos. Elas funcionam como um espelho: lembram-nos que a memória é um processo humano, imperfeito e em constante evolução, e não um produto a ser consumido. A ressurreição digital, ao prometer uma presença eterna, arrisca-se a criar uma má interpretação da própria essência da morte e do luto, substituindo a finalidade necessária pela ansiedade de uma disponibilidade infinita. No fim, o que estes chatbots realmente ressuscitam não são os falecidos, mas os limites da nossa própria tecnologia e as profundas questões sobre como escolhemos lembrar e deixar ir.
