STF define o futuro da internet: Big Techs responderão por conteúdo de usuários?

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta quarta-feira (4/06), o julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. O debate gira em torno da responsabilidade das big techs — como Google e Meta — por conteúdos criminosos ou ofensivos publicados por terceiros em suas plataformas. A decisão, que possui repercussão geral, pode moldar o futuro da internet no Brasil e estabelecer parâmetros jurídicos mais claros para a remoção de conteúdo.
O que está em discussão
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O foco da análise é o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que estabelece que as plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos postados por usuários se houver uma ordem judicial que determine a retirada da publicação. Ou seja, sem essa ordem, as empresas não respondem civilmente pelos danos causados por terceiros. Essa regra busca equilibrar a liberdade de expressão com a responsabilidade civil, e tem sido um dos pilares da regulação digital no país desde 2014.
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No entanto, a crescente disseminação de discursos de ódio, desinformação e outros crimes online reacendeu o debate sobre a eficácia desse modelo. O STF agora analisa se as plataformas devem ter uma responsabilidade mais ativa — como retirar conteúdos mediante simples notificação, sem necessidade de ordem judicial.
Casos em análise
O julgamento ocorre dentro de dois recursos extraordinários:
1.
Recurso Extraordinário 1037396, relatado por Dias Toffoli, trata de um caso em que o Facebook foi obrigado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) a excluir um perfil falso.
2.
Recurso Extraordinário 1057258, relatado por Luiz Fux, analisa a condenação do Google por não ter removido uma comunidade ofensiva no extinto Orkut, determinada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
- Ambos os relatores já votaram no sentido de ampliar a responsabilidade das plataformas, mesmo sem ordem judicial, o que representaria uma mudança importante na interpretação do Marco Civil.
Importância do julgamento
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Impacto direto nas plataformas digitais: Uma mudança na interpretação do artigo 19 pode obrigar big techs a atuarem de forma mais proativa na moderação de conteúdos, sob risco de serem responsabilizadas por danos morais ou materiais.
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Repercussão geral: A decisão terá efeito vinculante, servindo como referência para todos os casos semelhantes em instâncias inferiores da Justiça brasileira.
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Marco para a regulação das redes no Brasil: Segundo o ministro Gilmar Mendes, o julgamento pode ser "um esboço" da futura regulação das redes sociais no país, diante da inércia ou lentidão do Congresso Nacional em legislar sobre o tema.
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Interferência no debate político e social: O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu publicamente a regulamentação das redes e criticou o uso do discurso de liberdade de expressão para justificar crimes como a tentativa de golpe em 8 de janeiro.
As visões em disputa
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STF e parte da sociedade civil: Defendem a necessidade de revisão do artigo 19, com base na evolução dos crimes digitais e na responsabilidade social das plataformas, que têm alcance e influência globais.
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Big techs: Como o Google, que em nota alertou que mudar o artigo 19 pode gerar insegurança jurídica e levar à remoção excessiva de conteúdo, inclusive legítimos, prejudicando a liberdade de expressão.
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A empresa ainda ressaltou que já remove milhões de conteúdos por mês com base nas regras próprias de cada plataforma, e que o Marco Civil pode sim ser aprimorado, mas com critérios claros e garantias procedimentais.
Repercussão:
- O julgamento do STF representa um ponto de inflexão na forma como o Brasil lida com a responsabilidade das plataformas digitais. A depender da decisão final, o artigo 19 do Marco Civil pode ser reinterpretado de forma mais rigorosa, obrigando empresas como Google, Meta e outras a responderem por conteúdos de terceiros sem a exigência de ordem judicial.
Essa mudança poderá afetar diretamente o funcionamento das redes sociais, influenciar o comportamento dos usuários e provocar uma reconfiguração da relação entre internet, liberdade de expressão e responsabilidade legal no país. Ao mesmo tempo, a decisão lançará luz sobre a urgência da atuação legislativa no tema, diante do vácuo normativo deixado pelo Congresso Nacional. Seja qual for o desfecho, o impacto será profundo, e marca o início de uma nova etapa na governança digital brasileira.