A nova base da vida? O fungo de Chernobyl que 'se alimenta de radiação' e pode ser o escudo da NASA para os astronautas
A descoberta de vida prosperando nas ruínas da central nuclear de Chernobyl reescreveu o que se sabia sobre a resistência biológica. O protagonista dessa história é um mofo preto que não só sobrevive à radiação, mas parece utilizá-la para crescer.
O início da descoberta: Mofo na zona de exclusão
- A invasão biológica: Em maio de 1997, a cientista Nelli Zhdanova encontrou mofo preto colonizando as paredes e estruturas internas abandonadas do reator 4 de Chernobyl, um dos locais mais radioativos do planeta.
- O comportamento anômalo: Estudos anteriores de Zhdanova já indicavam que fungos no solo da região cresciam em direção a partículas radioativas. A nova descoberta mostrou que eles alcançaram a fonte original da radiação: o interior do reator explodido.
- Um paradoxo da vida: A radiação ionizante é extremamente destrutiva, capaz de danificar o DNA e matar organismos. O crescimento dos fungos neste ambiente sugere um mecanismo de sobrevivência e prosperidade inédito.
Radiotropismo e melanina: A atração pela radiação
- O movimento direcional: A pesquisa de Zhdanova revelou que as hifas (filamentos) do mofo preto pareciam ser ativamente atraídas pela radiação ionizante, um fenômeno que ela chamou de "radiotropismo", similar a como as plantas buscam a luz solar.
- O pigmento protetor: O mofo preto é rico em melanina, o mesmo pigmento responsável pela cor da pele e cabelos humanos. A suspeita inicial era que a melanina agia como um escudo, absorvendo a radiação ionizante em sua estrutura desordenada e dissipando sua energia, protegendo as células.
- Evidências na natureza: Outros organismos em Chernobyl, como sapos-arborícolas, também demonstraram o uso da melanina: os indivíduos com maior concentração do pigmento (e pele mais escura) sobreviveram e se reproduziram melhor na zona de exclusão.
A teoria da radiossíntese: Radiação como alimento
- Crescimento acelerado: Em 2007, a cientista nuclear Ekaterina Dadachova, em colaboração com Zhdanova, demonstrou que o crescimento dos fungos melanizados aumentava em até 10% na presença de césio radioativo, em comparação com os cultivados sem radiação.
- O conceito de radiossíntese: Dadachova propôs que os fungos não estavam apenas protegidos, mas estavam ativamente utilizando a energia da radiação para impulsionar seu metabolismo e crescer, um processo que ela chamou de "radiossíntese".
- O poder da energia: A energia da radiação ionizante é cerca de um milhão de vezes maior do que a da luz branca usada na fotossíntese. A melanina seria o "transdutor de energia" necessário para transformar essa energia intensa em algo biologicamente útil.
Aplicações no espaço: Um escudo cósmico
- Ameaça no espaço profundo: Para os astronautas, a radiação cósmica galáctica (uma tempestade de prótons) é o maior perigo para a saúde humana, capaz de atravessar o chumbo.
- Crescimento na estação espacial: Um estudo de 2018 enviou o fungo Cladosporium sphaerospermum (o mesmo encontrado em Chernobyl) para a Estação Espacial Internacional (EEI) e descobriu que ele cresceu, em média, 1,21 vez mais rápido sob a radiação cósmica.
- Barreira autorregenerativa: Pesquisadores da NASA testaram o potencial do mofo como escudo, colocando um sensor de radiação sob uma amostra na EEI. A fina camada de fungos demonstrou ser um escudo eficaz.
- Micoproteção do futuro: Se a radiossíntese for comprovada, fungos poderiam ser cultivados em bases na Lua ou em Marte para criar paredes e móveis biológicos ("micoarquitetura"). Isso reduziria o custo de transporte de materiais de proteção e criaria uma barreira autorregenerativa contra a radiação cósmica, facilitando a colonização espacial.
O mofo preto de Chernobyl transcendeu a ciência da Terra ao desafiar a premissa de que a radiação é apenas uma força de destruição, demonstrando que a natureza pode converter a ameaça mais letal em uma fonte de energia viável, um processo hipotético chamado "radiossíntese"; essa descoberta não apenas nos oferece a esperança de bioremediação para locais contaminados, mas, mais crucialmente, abre caminho para a criação de escudos biológicos vivos e autorregenerativos para proteger os futuros colonizadores humanos da radiação cósmica, consolidando o mofo de Chernobyl como um arquiteto inesperado da nossa expansão para além do planeta natal.
