Trump quer um dólar fraco? Dólar em queda livre - Entenda as causas da maior desvalorização em 50 anos
O dólar americano, por décadas o alicerce do sistema financeiro global, enfrenta um período de turbulência sem precedentes. No primeiro semestre de 2025, sua performance foi a pior em mais de cinquenta anos, com uma desvalorização de 11% no U.S. Dollar Index. Mais do que um simples declínio, essa queda reflete uma série de eventos geopolíticos e econômicos que desafiam sua hegemonia.
Os sinais de alerta: Onde o dólar está perdendo terreno?
Indicadores econômicos concretos apontam para uma erosão gradual da dominância do dólar.
- Queda nas reservas globais: A participação do dólar nas reservas internacionais dos bancos centrais, que era superior a 70% no início dos anos 2000, hoje está em cerca de 57%. Embora a moeda americana ainda seja dominante, a tendência de queda é clara. A principal alternativa buscada não é o euro ou o yuan, mas sim o ouro, que agora corresponde a 9% das reservas de economias emergentes.
- Fuga dos títulos do tesouro americano: Tradicionalmente considerados o investimento mais seguro do mundo, os títulos da dívida dos EUA veem a participação de investidores estrangeiros cair. Essa fatia encolheu de mais de 50% antes de 2008 para cerca de 30% atualmente, indicando uma redução da confiança na saúde fiscal americana a longo prazo.
- Ameaça no mercado de commodities: O dólar está perdendo espaço como moeda padrão no crucial mercado de energia. Sanções, como as aplicadas à Rússia, levaram países como China, Índia e Brasil a adotarem suas próprias moedas para comprar petróleo e gás, quebrando um dos pilares da demanda internacional pelo dólar.
Fatores aceleradores: Geopolítica e desconfiança
Ações políticas estão intensificando a desconfiança no dólar, impulsionando a busca por alternativas.
- A "arma" das sanções: O uso frequente de sanções econômicas pelos EUA, que excluem países e entidades do sistema financeiro global, tem incentivado nações a buscarem alternativas para reduzir sua vulnerabilidade. O congelamento de ativos russos, por exemplo, demonstrou que um "ativo de refúgio" pode, de repente, se tornar inacessível.
- A "politicagem" da moeda: As políticas econômicas de Donald Trump, incluindo a imposição de tarifas massivas ("tarifaço") e a interferência no Federal Reserve (Fed), minaram a confiança na previsibilidade e independência das instituições americanas, fatores que os mercados valorizam.
- A sombra da dívida pública: A dívida federal dos EUA, que termina 2024 em 123% do PIB, gera receios de que o governo possa, no futuro, desvalorizar a moeda deliberadamente para aliviar a carga da dívida, abalando a confiança no valor futuro do dólar.
A busca por alternativas: Os novos atores
O movimento de desdolarização não é apenas reativo, mas também estrategicamente organizado.
- A ascensão do BRICS: O bloco de nações emergentes, agora expandido, tornou-se a principal força política a defender a desdolarização. O grupo promove o uso de moedas locais em transações internas e discute a criação de uma moeda comum, representando um contrapeso geopolítico com massa crítica suficiente para, a longo prazo, construir infraestruturas financeiras paralelas.
- A corrente "America First" na Casa Branca: Curiosamente, há uma facção dentro do governo Trump que defende um dólar mais fraco. Eles argumentam que a força da moeda encarece as exportações americanas e prejudica a indústria nacional. Essa visão revela uma divisão interna nos EUA sobre os benefícios da própria hegemonia do dólar.
Por que Trump quer um dólar mais fraco?
Apesar da percepção geral de que um dólar forte é sinal de uma economia sólida, a visão do presidente Trump sobre o tema é mais pragmática e alinhada à sua agenda de protecionismo econômico. Ele argumenta que a valorização da moeda americana prejudica a competitividade dos produtos nacionais no exterior.
- Benefício às exportações e manufatura: Um dólar mais fraco torna os produtos fabricados nos EUA mais baratos para compradores internacionais, o que, por sua vez, aumenta as exportações e estimula a produção e o emprego dentro do país. É um movimento estratégico para reduzir o déficit comercial e cumprir a promessa de "America First".
- Efeito das tarifas: A política de imposição de tarifas, ou "tarifaço", visa encarecer importações e proteger a indústria nacional. Um dólar mais fraco amplifica esse efeito, tornando os produtos importados ainda menos competitivos em relação aos bens americanos.
- Dívida pública: Embora seja uma medida mais arriscada e complexa, a desvalorização da moeda pode, teoricamente, facilitar o pagamento da enorme dívida pública dos EUA ao longo do tempo, pois torna o valor real dos pagamentos futuros menos oneroso.
Por que o dólar ainda é o "rei"? O ceticismo de analistas
Apesar das pressões, a maioria dos analistas é cética em relação a uma queda iminente do dólar.
- Falta de concorrentes viáveis: Atualmente, nenhuma moeda possui a profundidade, liquidez e estabilidade do dólar. O euro enfrenta seus próprios desafios, e o yuan chinês, por ser controlado pelo governo, ainda não é atraente como moeda de reserva global. A ausência de um concorrente à altura é o maior obstáculo para qualquer movimento de desdolarização.
- A inércia do sistema: O sistema financeiro global, com suas instituições e contratos, está profundamente enraizado no dólar. Essa rede de infraestrutura e o hábito criam uma inércia que protege o status quo da moeda americana.
- O "porto seguro" em tempos de crise: Historicamente, em períodos de turbulência global, investidores ainda buscam a segurança do dólar e dos títulos do Tesouro americano. Esse reflexo, embora questionado, mantém-se firme e confere ao dólar uma resiliência que crises pontuais não abalam facilmente.
Vídeo: Fim do dólar? Por que moeda vem perdendo força no mundo
Não o fim, mas um novo capítulo
A era de dominância incontestável do dólar pode estar chegando ao fim, mas não a sua relevância. O que estamos presenciando não é um colapso, mas o início de uma lenta e gradual multipolaridade monetária. O dólar permanecerá a principal moeda global, mas enfrentará uma competição crescente de outras moedas, de blocos econômicos como o BRICS e de ativos como o ouro. Paradoxalmente, as próprias políticas internas dos EUA e seu uso instrumental do poder financeiro são os principais aceleradores dessa transição. O futuro aponta para um sistema financeiro mais fragmentado e complexo, onde a confiança — e não apenas a tradição — será o fator decisivo para a força de uma moeda.
