"Mãos amarradas": Por que o governo Lula perdeu para o centrão no PL da dosimetria e qual o próximo passo do STF
O projeto de lei da dosimetria das penas, que busca alterar as punições de condenados por tentativa de golpe de Estado, como o ex-presidente Jair Bolsonaro, avançou no Congresso e colocou o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma situação delicada.
O analista político Creomar de Souza, da consultoria Dharma, avalia o cenário em uma entrevista à BBC News Brasil.
Quem ganha e quem perde com o avanço do PL?
A aprovação do projeto na Câmara dos Deputados resultou em vencedores e perdedores claros no jogo político, segundo a análise:
Perdedor principal: O governo Lula
- O governo construiu sua plataforma em oposição a qualquer flexibilização das penas para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023. A aprovação é vista como um revés político para o Executivo.
Perdedor secundário: O Supremo Tribunal Federal (STF)
- O STF perde ao ter que negociar parte das penas, especialmente em um momento de desgaste devido a outras controvérsias, como a do Banco Master.
Grande vencedor: O centrão
- O bloco parlamentar, que controla o Legislativo, sai vitorioso por conseguir aprovar um projeto que atende aos seus interesses eleitorais, reforçando seu poder de influência sobre as decisões políticas.
Vencedor parcial: O bolsonarismo
- Embora a anistia total seja o objetivo principal, o bolsonarismo ganha ao conseguir alguma flexibilização nas penas, transformando o avanço da dosimetria em uma vitória parcial que mantém o foco em seu líder.
As mãos atadas do governo: Opções de Lula
O presidente Lula tem o poder de vetar o PL da dosimetria, mas o analista Creomar de Souza aponta que essa é uma opção de alto risco e baixa eficácia, dada a correlação de forças no Congresso:
- Risco de veto derrubado: A atual legislatura tem derrubado muitos vetos presidenciais. Um veto de Lula provavelmente seria revertido pelo Centrão, gerando mais desgaste ao governo.
- Pouco espaço de manobra: A conjuntura eleitoral próxima e a necessidade de aprovar um nome para o STF (Jorge Messias) reduzem o poder de barganha do Executivo.
- Presidencialismo jurisdicional em xeque: O governo Lula esperava contar com uma "coalizão informal" com o STF, mas a aprovação do PL mostra que o Executivo está isolado perante o Congresso e o Judiciário está "na defensiva".
Acordo afrontoso: A relação Congresso-STF
O projeto da dosimetria pode ser interpretado tanto como uma afronta do Legislativo às decisões do Judiciário quanto como um acordo nos bastidores. O analista sugere uma síntese:
- Um "acordo afrontoso": O PL nasce de negociações entre figuras políticas influentes (como Paulinho da Força, Michel Temer e o ministro Alexandre de Moraes), buscando um meio-termo. No entanto, sua aprovação em Plenário é um ato de força do Congresso contra o STF.
- Legislativo no ataque: O Congresso, já vitorioso sobre o Executivo (emendas parlamentares), agora se volta contra o Judiciário em temas como a dosimetria, o inquérito das Fake News e o julgamento das emendas orçamentárias.
- Velhas forças em ação: O momento de negociação da dosimetria está sendo usado por figuras políticas tradicionais (como Michel Temer e Aécio Neves) para se reposicionar como atores centrais e "inescapáveis" no debate político.
A dinâmica do jogo político e o eleitor
O analista confirma que a vitória do Centrão contra o Executivo se tornou uma regra do jogo político pós-Lava Jato: o Executivo sempre inicia o jogo em desvantagem, tendo que "entregar a chave do cofre" ao Legislativo.
- Dilema do governo: Lula precisa decidir entre o pragmatismo (aceitar a dosimetria para evitar a anistia) e a narrativa política (manter o embate para motivar sua militância). Qualquer sinal de fraqueza alimenta o discurso bolsonarista.
- O eleitor indiferente: O foco dos debates do Congresso se afasta das questões de interesse público, envolvendo-se em negociações como a vaga ao Senado em Santa Catarina ou a pré-candidatura de Flávio Bolsonaro.
- Degradação institucional: O divórcio entre o cidadão e a representação política se aprofunda. A percepção de que os políticos "não se importam" alimenta a desconfiança e o discurso anti-político, que foi forte nas eleições de 2018 e 2022.
O avanço do PL da Dosimetria confirma uma regra imutável no Brasil contemporâneo: o Centrão sempre vence. Apesar da resistência do governo e do STF, o Legislativo impôs uma derrota política que não só flexibiliza as penas dos envolvidos no 8 de Janeiro, mas também reafirma o controle do Congresso sobre a agenda nacional. O dilema de Lula é vetar e ser humilhado, ou ceder para evitar a anistia, selando a sua situação de "mãos atadas" e a persistente degradação da relação entre o cidadão e a política brasileira.
