A febre das "canetinhas" Mounjaro, Ozempic, Wegovy e cia: Os perigos reais do uso indiscriminado e irresponsável

Nos últimos anos, medicamentos injetáveis como Ozempic (semaglutida), Wegovy (semaglutida) e Mounjaro (tirzepatida) transformaram-se em um fenômeno global, impulsionados por relatos de perda de peso significativa em celebridades e influenciadores. Popularmente conhecidas como "canetas" devido ao formato do aplicador, essas drogas foram inicialmente desenvolvidas para um propósito muito específico: o tratamento do diabetes tipo 2. No entanto, sua busca indiscriminada por pessoas que desejam emagrecer rapidamente, muitas vezes sem orientação médica, levanta sérias preocupações entre a comunidade médica e as autoridades sanitárias. Este resumo detalha quem realmente se beneficia desses medicamentos, os riscos do uso inadequado e a importância de uma abordagem responsável para a perda de peso.
O que são esses medicamentos e como funcionam?
O princípio ativo mais conhecido deste grupo é a semaglutida, presente no Ozempic e no Wegovy. Outro medicamento similar é a tirzepatida (Mounjaro). Eles pertencem a uma classe de fármacos chamados agonistas do receptor de GLP-1.
- Mecanismo de ação: Essas substâncias "imitam" a ação de um hormônio natural do nosso intestino, o GLP-1. Eles agem de duas formas principais:
- Aumento da saciedade: Estimulam receptores no cérebro, especificamente no hipotálamo (centro regulador da fome), enviando a mensagem de que o corpo está satisfeito.
- Retardo do esvaziamento gástrico: Fazem com que o alimento permaneça por mais tempo no estômago, prolongando a sensação de estômago cheio após as refeições.
- Benefício adicional para diabéticos: Nos pacientes com diabetes tipo 2, eles também estimulam a produção de insulina de forma dependente da glicose, ajudando no controle glicêmico.
Quem realmente precisa e tem indicação formal para usar?
A prescrição desses medicamentos é rigorosa e baseada em critérios clínicos bem estabelecidos, não em desejos estéticos. Conforme destacado pelas endocrinologistas no texto, a indicação é para:
-
Pacientes com diagnóstico de obesidade: Definido por um Índice de Massa Corporal (IMC) igual ou superior a 30 kg/m².
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Pacientes com sobrepeso e comorbidades associadas: IMC entre 27 e 29,9 kg/m² e pelo menos uma condição de saúde relacionada ao peso, como:
1.
Diabetes tipo 2.
2.
Hipertensão arterial.
3.
Dislipidemia (colesterol ou triglicerídeos altos).
4.
Apneia do sono.
5.
Doenças cardiovasculares.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprova esses medicamentos especificamente para essas condições. Seu uso vai muito além da perda de peso; é uma ferramenta para tratar uma doença crônica complexa (a obesidade) e reduzir os riscos de outras doenças graves.
Os perigos e problemas do uso indiscriminado e sem orientação
Utilizar esses medicamentos sem prescrição e acompanhamento médico é uma prática de alto risco. Os problemas são diversos:
- Efeitos colaterais comuns e desconfortáveis: Náuseas, vômitos, diarreia, constipação intestinal (prisão de ventre) e refluxo gastroesofágico são muito frequentes, especialmente no início do tratamento, e podem ser debilitantes.
- Efeitos colaterais graves: Embora menos comuns, existem riscos de pancreatite (inflamação do pâncreas), colecistite (inflamação da vesícula biliar), problemas renais e hipoglicemia (queda perigosa do açúcar no sangue), principalmente se usado com outros medicamentos para diabetes.
- Reganho de peso ("efeito sanfona"): Este é um ponto crucial. A endocrinologista Priscilla Cukier alerta que a suspensão do medicamento, especialmente sem uma mudança consistente nos hábitos de vida, quase inevitavelmente leva ao reganho do peso perdido, muitas vezes de forma ainda mais acentuada. A obesidade é uma doença crônica que requer manejo contínuo, não uma solução temporária.
- Desabastecimento e impacto na saúde pública: A procura desenfreada por pessoas sem indicação causou desabastecimento global, prejudicando seriamente pacientes diabéticos e com obesidade grave que dependem desses remédios para controlar suas doenças. Além disso, como citado pela Dra. Lorena Amato, isso alimenta um mercado ilegal perigoso de contrabando e venda de produtos sem procedência, colocando a saúde das pessoas em risco extremo.
- Riscos de longo prazo desconhecidos: Para indivíduos saudáveis que os utilizam apenas para fins estéticos, as consequências de longo prazo (como potencial perda de massa muscular e óssea, citada pela Dra. Lorena) ainda não são totalmente compreendidas pela ciência.
A importância do acompanhamento médico e da mudança de hábitos
A perda de peso saudável e sustentável não é alcançada por uma injeção milagrosa. O consenso médico é unânime:
- Papel do médico: Apenas um profissional de saúde, preferencialmente um endocrinologista, pode fazer o diagnóstico correto, avaliar se o medicamento é necessário, escolher a dose adequada e monitorar os efeitos colaterais e a eficácia do tratamento.
- Mudança de estilo de vida: A medicação é uma ferramenta auxiliar, e não uma substituição. Seu objetivo é facilitar a adoção de uma alimentação equilibrada e a prática regular de atividade física. A "reeducação alimentar consistente", mencionada no texto, é o pilar para manter os resultados a longo prazo.
- Receita médica controlada: A compra e venda devem ser feitas exclusivamente com receita médica do tipo B (azul), que fica retida na farmácia. Isso é uma barreira de segurança fundamental.
Um avanço médico, não um produto de consumo
Os agonistas do GLP-1, como a semaglutida, representam um avanço extraordinário na medicina para o tratamento da obesidade e diabetes. No entanto, sua banalização como um produto de consumo para emagrecimento rápido e estético é um equívoco perigoso. Eles são medicamentos potentes, com indicações precisas e riscos significativos. O caminho para uma saúde verdadeira não passa por atalhos arriscados, mas sim por um acompanhamento médico responsável, que entenda a perda de peso como um processo complexo e individual, aliado a mudanças profundas e duradouras nos hábitos de vida. A busca por um "padrão social de beleza inatingível"
, como alerta a Dra. Lorena Amato, nunca deve colocar em risco a saúde individual e coletiva.