Conteúdo verificado
sábado, 19 de julho de 2025 às 12:55 GMT+0

Autismo e marcha: Por que algumas pessoas no espectro andam diferente? Entendendo as causas neurológicas e como oferecer apoio

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento que se manifesta de diversas formas, impactando a comunicação, a interação social e os padrões de comportamento. No entanto, o TEA também pode influenciar a forma como as pessoas se movem, especificamente a marcha (o modo de caminhar). Essas particularidades motoras são reconhecidas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) como uma característica associada ao autismo.

Este resumo explora em profundidade as razões por trás dessas variações na marcha, suas manifestações e as implicações para o dia a dia. Para isso, nos baseamos em pesquisas científicas de ponta e na expertise de especialistas da Universidade Monash, como Nicole Rinehart, Chloe Emonson e Ebony Lindor, que têm contribuído significativamente para o entendimento dessa área.

Como as diferenças na marcha se manifestam no Autismo?

Pessoas no espectro autista podem apresentar padrões de caminhada bastante distintos. As manifestações mais comuns incluem:

  • Andar na ponta dos pés (toe-walking): É uma característica frequentemente observada em crianças autistas, onde a pessoa caminha apoiando-se principalmente ou exclusivamente nas pontas dos pés, sem que o calcanhar toque o chão.

  • Pés virados para dentro ou para fora: Variações na angulação dos pés durante a caminhada, que podem ser tanto com os pés apontando excessivamente para dentro (introversão) quanto para fora (eversão).

  • Padrões mais sutis: Além das manifestações mais visíveis, existem diferenças que podem ser percebidas apenas com uma observação atenta ou análise biomecânica. Isso inclui:

  1. Passos mais lentos: A cadência da marcha pode ser reduzida.
  2. Maior variabilidade no comprimento das passadas: As passadas podem não ter um tamanho consistente.
  3. Mais tempo na fase de "postura" (stand phase): O tempo que o pé permanece no chão durante cada passo pode ser prolongado.

Estudos robustos têm demonstrado que essas diferenças na marcha estão frequentemente interligadas a outros desafios motores, como dificuldades de equilíbrio, coordenação motora e até mesmo impacto na caligrafia, revelando uma conexão ampla entre o sistema motor e o neurodesenvolvimento no autismo.

Por que isso acontece? As raízes neurobiológicas e sensoriais

As variações na marcha em pessoas com autismo estão intrinsecamente ligadas a desenvolvimentos atípicos em regiões cerebrais-chave para o movimento e processamento sensorial. As principais áreas envolvidas são:

  • Gânglios basais: Estruturas profundas no cérebro que desempenham um papel crucial na iniciação, sequenciamento e fluidez dos movimentos. Alterações em seu funcionamento podem afetar a coordenação e o ritmo da marcha.
  • Cerebelo: Essencial para a coordenação motora fina, equilíbrio e ajuste dos movimentos com base em informações sensoriais. Disfunções cerebelares podem levar a movimentos menos precisos e coordenação comprometida.

Além dessas bases neurobiológicas, outros fatores contribuem para as diferenças na marcha:

  • Sobrecarga sensorial ou cognitiva: Pessoas com autismo frequentemente processam informações sensoriais de forma diferente. Uma sobrecarga sensorial (e.g., sons altos, luzes intensas) ou cognitiva (excesso de informações para processar) pode impactar a organização do movimento, levando a padrões de marcha desregulados.

  • Interação com habilidades motoras, linguísticas e cognitivas: A intensidade e a natureza das diferenças na marcha podem ser influenciadas pela complexidade das habilidades motoras gerais, pelo desenvolvimento da linguagem e pelas capacidades cognitivas do indivíduo.

  • É fundamental compreender que essas características motoras não são simplesmente um "atraso" no desenvolvimento. Elas representam variações persistentes que são parte integrante do neurodesenvolvimento no autismo. Podem, inclusive, tornar-se mais evidentes ou ter um impacto maior à medida que o indivíduo cresce e suas demandas motoras e sociais aumentam.

Quando e como intervir? Estratégias de suporte personalizadas

Nem todas as diferenças na marcha exigem intervenção direta. O foco principal deve ser sempre na qualidade de vida do indivíduo. O suporte deve ser individualizado, considerando as necessidades e o impacto que essas variações causam no dia a dia.

Situações que podem demandar atenção e intervenção incluem:

  • Risco elevado de quedas frequentes: Quando a marcha atípica compromete a segurança.
  • Dor muscular: Principalmente nas panturrilhas, pés ou costas, devido à tensão muscular crônica ou à forma como o corpo se adapta à marcha atípica.
  • Dificuldade em participar de atividades físicas ou sociais: Quando as diferenças na marcha limitam a inclusão em brincadeiras, esportes ou outras interações sociais.

Quando a intervenção é necessária, estratégias eficazes incluem:

  • Programas escolares integrados: Iniciativas como o Joy of Moving Program demonstram o benefício de incorporar o movimento e a atividade física de forma estruturada e divertida ao longo do dia letivo.
  • **Atividades baseadas na comunidade: **A participação em esportes adaptados, aulas de dança ou outras atividades físicas recreativas pode não apenas melhorar as habilidades motoras, mas também promover a interação social e a autoestima.
  • Apoio sensorial: Oferecer pausas sensoriais, ambientes adaptados ou ferramentas que ajudem a regular o processamento sensorial pode reduzir a sobrecarga e, consequentemente, melhorar a organização do movimento.
  • Fisioterapia e Terapia ocupacional: Profissionais especializados podem desenvolver planos de exercícios e estratégias personalizadas para melhorar a força muscular, o equilíbrio, a coordenação e a qualidade da marcha.

Futuro e pesquisas em andamento: Rumo a um entendimento mais profundo

Apesar dos avanços significativos, ainda há muitas perguntas a serem respondidas sobre a marcha no autismo. As pesquisas atuais e futuras buscam desvendar:

  • Variabilidade individual: Por que há uma gama tão ampla de padrões de marcha atípicos entre as pessoas com autismo? Como aprofundar o entendimento dessas diferenças e suas causas específicas?
  • Adaptação de intervenções: Como podemos otimizar e personalizar as intervenções para diferentes faixas etárias, perfis de desenvolvimento e necessidades individuais?

Iniciativas importantes, como o National Disability Insurance Scheme (NDIS) na Austrália, e programas comunitários ao redor do mundo, são exemplos promissores de como podemos oferecer suporte inclusivo e recursos para que pessoas com autismo possam desenvolver suas habilidades motoras e participar plenamente da vida em sociedade.

Inclusão acima de tudo

  • As diferenças na marcha em pessoas com Transtorno do Espectro Autista são um reflexo da rica diversidade do neurodesenvolvimento, com raízes profundas em variações cerebrais e no processamento sensorial. Embora nem sempre exijam intervenção, quando impactam a vida diária e o bem-estar, estratégias personalizadas e inclusivas, omo atividades físicas adaptadas, terapias específicas e apoio sensorial podem fazer uma diferença substancial.

A pesquisa contínua é fundamental para aprofundar nosso conhecimento e garantir que o suporte oferecido seja cada vez mais eficaz e centrado na pessoa. Ao entender e celebrar as singularidades de cada indivíduo no espectro autista, avançamos em direção a uma sociedade mais inclusiva e capacitada para acolher a neurodiversidade em todas as suas manifestações.

Estão lendo agora

Superdotação no Brasil: Por que 98% dos alunos superdotados não são identificados? Desafios e soluçõesNo Brasil, apenas 0,5% a 2% dos estudantes são formalmente identificados como superdotados, um número significativamente...