Ciência do "fingimento": Imobilidade tônica no trauma sexual - Entenda por que a ausência de luta não é consentimento

Este resumo visa iluminar a Imobilidade Tônica (IT), uma reação biológica involuntária e crítica que ocorre em vítimas de violência sexual. Compreender esse fenômeno é essencial para o acolhimento, a saúde mental e, crucialmente, para a aplicação justa da lei.
O fenômeno involuntário: O que é a imobilidade tônica?
A omobilidade tônica é uma estratégia instintiva de defesa do organismo, acionada diante da percepção de perigo extremo ou morte iminente.
- Paralisia com consciência: Caracteriza-se por uma profunda inibição motora (paralisia), acompanhada de analgesia (redução da dor), mas sem perda de consciência.
- A vítima trava: A pessoa está totalmente consciente do que ocorre, mas é fisiologicamente incapaz de se mover, gritar ou lutar.
- Estratégia de sobrevivência: É uma resposta bem documentada no reino animal, onde a paralisia pode, em certos contextos, aumentar a chance de sobrevivência. Em humanos, é uma reação reflexa e biológica, e não uma escolha consciente ou "fingimento".
A ciência por trás do "congelamento"
Pesquisas neurofisiológicas trouxeram evidências concretas, comprovando que a IT é uma resposta mensurável do corpo:
Estudos pioneiros:
- Pesquisas brasileiras, como a de 2011 liderada pela professora Eliane Volchan (UFRJ), foram as primeiras a mensurar parâmetros psicofisiológicos em vítimas que reviviam o trauma.
Evidências fisiológicas:
Utilizando técnicas como a estabilometria e o eletrocardiograma, os cientistas observaram que vítimas com alta pontuação de IT apresentavam:
- Rigidez postural: Redução das oscilações corporais.
- Alteração cardíaca: Aumento da frequência cardíaca e modificação na modulação cardíaca.
- Comprovação: Estes dados estabelecem que a IT não é apenas um relato subjetivo, mas uma resposta fisiológica com características idênticas às observadas em outras espécies.
A dupla jornada do sofrimento: A relevância da compreensão
Compreender a Imobilidade Tônica é um imperativo social, jurídico e de saúde pública, pois aborda o duplo trauma vivido pela vítima: a agressão e a subsequente incompreensão.
1. Combate à revitimização no sistema de justiça
- O desconhecimento causa injustiça: A falta de conhecimento da IT por profissionais da justiça (juízes, delegados, policiais) leva a interpretações profundamente errôneas.
- Ausência de luta não é consentimento: A ausência de lesões ou sinais de luta é frequentemente (e equivocadamente) vista como indício de consentimento. Isso resulta na descredibilização do relato da vítima e pode impedir a aplicação devida da justiça.
2. Impacto crítico na saúde mental da vítima
- Agravamento do trauma: A IT está fortemente associada ao desenvolvimento e agravamento do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT).
- A culpa internalizada: A vítima, consciente de tudo, frequentemente se questiona: "Por que eu não lutei?", desenvolvendo intensos sentimentos de culpa e vergonha por uma reação que era fisiologicamente incontrolável.
3. Validação da experiência e início da cura
- Aliviando o peso: Explicar a natureza biológica e involuntária da paralisia ajuda a validar a experiência traumática.
- Resgatando a autonomia: A vítima deixa de se ver como "cúmplice" ou "fraca" e passa a entender que seu corpo usou um mecanismo arcaico de sobrevivência. Isso é fundamental para reduzir a auto-culpabilização e iniciar um processo de cura saudável.
Caminhos para intervenções humanizadas e eficazes
O conhecimento da IT deve guiar as melhores práticas no acolhimento de vítimas:
- Psicoeducação no tratamento: Em psicoterapia, a explicação da natureza biológica da IT é uma ferramenta poderosa para aliviar a culpa e a vergonha internalizadas.
- Rastreio e documentação: Serviços de atendimento primário (hospitais, delegacias) devem investigar ativamente se a paralisia ocorreu, documentando-a como parte integral do evento traumático.
- Capacitação profissional: É vital treinar todos os profissionais (saúde, segurança e justiça) para que compreendam e reconheçam a Imobilidade Tônica, garantindo um atendimento humano, técnico e justo.
Rompendo o silêncio com ciência e empatia
- A imobilidade tônica é a manifestação silenciosa de um terror indizível. Ela prova que a ausência de luta não é, de forma alguma, consentimento. É a biologia assumindo o controle diante da iminência da morte.
Disseminar esse conhecimento não é apenas um ato acadêmico, mas um imperativo ético. Somente através da ciência e da empatia, podemos garantir que as vítimas de violência sexual não sejam julgadas duas vezes, uma pelo agressor e outra por um sistema que ainda precisa aprender a escutar e validar o silêncio do trauma.