Hospital Mont Serrat: O único do SUS onde pacientes terminais vivem com dignidade e amor

No coração de Salvador, um lugar singular desafia tabus e redefine o significado do fim da vida. O hospital Mont Serrat, primeiro e único do SUS dedicado exclusivamente a cuidados paliativos, oferece dignidade, conforto e acolhimento a pacientes com doenças graves e sem possibilidade de cura. Com vista para o mar e um píer onde muitos contemplam o pôr do sol, o local se tornou um símbolo de humanização na medicina. Este resumo explora a importância do projeto, suas bases éticas e os impactos emocionais relatados por pacientes e familiares.
O que é o hospital Mont Serrat?
Inaugurado em janeiro de 2024, o Mont Serrat ocupa um casarão do século XIX na Ponta de Humaitá, antes sede do hospital Couto Maia. Seu modelo é inspirado em sistemas de cuidados paliativos do Reino Unido, Canadá e Argentina, priorizando qualidade de vida em vez de tratamentos invasivos.
Importância e relevância:
- Pioneirismo no SUS: É a primeira unidade pública brasileira 100% dedicada a cuidados paliativos, preenchendo uma lacuna histórica no sistema de saúde.
- Abordagem holística: Atende não só o paciente, mas também familiares, com suporte psicológico e espiritual.
Os princípios dos cuidados paliativos
Conforme definido pela médica Karoline Apolônia, coordenadora do núcleo baiano, a filosofia não busca prolongar nem abreviar a vida, mas aliviar sofrimentos físicos e emocionais.
Princípios-chave:
- Ortotanásia: Permite que a morte ocorra naturalmente, sem intervenções desnecessárias (diferente de eutanásia, proibida no Brasil).
- Sedação paliativa: Uso de analgésicos para reduzir a dor, sem acelerar o óbito.
- Escuta ativa: Equipes perguntam sobre preferências alimentares, hobbies e histórias de vida para personalizar o cuidado.
- Exemplo emocionante: Ayrton Pinheiro, 90 anos, ex-corredor, reviveu memórias ao ver o mar da janela:
"Minhas forças se renovaram aqui".
A estrutura humanizada
O hospital não tem UTI ou sala de reanimação, refletindo sua missão. Destaques:
- Sala da saudade: Espaço acolhedor para despedidas, com frases inspiradoras e ambiente sereno.
- Píer sagrado: Substitui capelas tradicionais, simbolizando a conexão com a natureza. "O mar é nosso maior altar", diz Karoline.
- Treinamento da equipe: Todos, desde seguranças até médicos, passam por dinâmicas de empatia.
- Depoimento marcante: Ângela Maria, cujo marido chegou "morto" após um câncer, descreveu o local como "um pedacinho do céu".
Perfil dos pacientes e jornadas emocionais
Pacientes são encaminhados por UPAs, com expectativa de vida de até seis meses. Alguns recebem alta para morrer em casa; outros partem no hospital, cercados por familiares.
Casos destacados:
- Helita Maria, 86 anos: Cuidada "como um bebê", recebeu alta para viver seus últimos dias em casa.
- Donizete Oliveira, 33 anos: Vítima de câncer, teve seu sofrimento aliviado após transferência para o Mont Serrat.
- Marina Alencar, 79 anos: Filho Marcos Roberto celebrou a chance de dar-lhe conforto no estágio final de Alzheimer.
Desafios e futuro
Com ocupação quase máxima, o hospital evidencia a crescente demanda por cuidados paliativos no Brasil, onde 15,6% da população é idosa (IBGE, 2023).
Lições e alertas:
- Necessidade de expansão: Karoline defende que mais unidades como essa são urgentes diante do envelhecimento populacional.
- Educação médica: Desde 2023, cuidados paliativos são disciplina obrigatória nas faculdades de medicina, um avanço crucial.
Um legado de dignidade
O Mont Serrat não é um "hospital da morte", mas um espaço que celebra a vida até seu último suspiro. Histórias como as de Ayrton, Donizete e Maria mostram que, mesmo diante do inevitável, é possível encontrar paz, respeito e beleza. Seu modelo inspirador desafia o SUS e a sociedade a repensarem como lidamos com o fim, transformando despedidas em momentos de amor e contemplação.
Como definiu Karoline, "aqui, o foco não é a morte, mas o cuidado enquanto houver vida". E, para muitos, esse cuidado tem o rosto do mar ao pôr do sol.