Astrologia e estatística: O 'bug' do signo de Aquário no IBGE e a lição sobre credibilidade dos dados oficiais.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vivenciou um episódio atípico em novembro de 2025, quando sua plataforma interativa de nomes, baseada nos dados do Censo de 2022, incluiu a astrologia e, acidentalmente, gerou uma anomalia estatística nacional.
O erro celestial em uma plataforma de dados
A plataforma "Nomes no Brasil" foi relançada com o objetivo de mostrar a frequência de nomes no país. Contudo, uma nova funcionalidade que associava cada nome ao seu signo astrológico mais comum rapidamente chamou a atenção por um padrão improvável:
- O domínio de Aquário: A esmagadora maioria dos nomes mais populares, incluindo 9 dos 10 femininos e 7 dos 10 masculinos mais comuns, estava associada ao signo de Aquário.
- A suspeita estatística: Este achado era altamente improvável, pois os meses de Aquário (final de janeiro a meados de fevereiro) são historicamente aqueles com menor número de nascimentos no Brasil, enquanto os picos ocorrem tradicionalmente em março e maio.
A descoberta da inconsistência e a investigação
- Contradição demográfica: Se os meses de Aquário têm poucos nascimentos, seria estatisticamente impossível que este fosse o signo predominante para a maioria da população.
- Admissão do Instituto: Diante do questionamento fundamentado, o IBGE realizou uma verificação interna e confirmou a falha: houve um erro de cálculo nos algoritmos da plataforma.
- Ação imediata: A funcionalidade de consulta de signos foi imediatamente retirada do ar, com o instituto prometendo disponibilizá-la novamente após a correção e revisão dos cálculos.
Por que este erro importa? Lições cruciais
O incidente de Aquário transcendeu o humor e levantou discussões importantes sobre a missão de uma instituição estatística oficial:
- A credibilidade em risco: O IBGE é o alicerce da informação oficial do Brasil. Um erro em qualquer divulgação, mesmo em um recurso lúdico, pode abalar a confiança pública na precisão e rigor de todos os seus dados.
- Recursos e prioridades: A ex-presidente do IBGE, Wasmália Bivar, criticou o uso dos limitados recursos da instituição em funcionalidades não essenciais, especialmente em um contexto de cortes orçamentários e atrasos na divulgação de dados cruciais, como os do Censo.
- A fragilidade da astrologia estatística: A tentativa da BBC de calcular o signo mais comum revelou um problema fundamental: não há padronização oficial para as datas dos signos. A variação de apenas um dia nas tabelas de datas (por exemplo, entre a Wikipédia e sites especializados) pode alterar completamente o resultado, expondo a natureza não-científica e inerentemente frágil de qualquer "estatística" astrológica.
Afinal, qual é o signo mais comum?
Motivada pela falha, a BBC News Brasil realizou sua própria análise com dados da Pnad Contínua de 2022. O signo que apareceu como o mais comum nas simulações foi Câncer.
- O fator-chave: A razão principal não foi o pico de nascimentos, mas sim o fato de que, em muitos calendários astrológicos, o período de Câncer (final de junho a meados de julho) possui 32 dias de duração, um dia a mais do que a maioria dos outros signos. Esse dia extra foi suficiente para colocá-lo no topo, ilustrando quão sensível o resultado final é à tabela de datas escolhida.
Seriedade acima de tudo
O "erro de Aquário" serve como uma lição clara sobre a responsabilidade institucional. Embora a inclusão de elementos lúdicos possa aumentar o engajamento do público, a força do IBGE reside em seu rigor técnico e credibilidade. A seriedade e a exatidão não podem ser comprometidas pela leveza ou curiosidade, reforçando a importância do jornalismo na verificação de dados e da transparência institucional.
