O oceano é a nova caixa d'água do mundo? 80% dos países já estão "bebendo o mar" - A ciência fabricando água doce
O cenário global de abastecimento mudou drasticamente. O que antes era uma solução exclusiva de nações riquíssimas do Oriente Médio, tornou-se uma necessidade de sobrevivência para 160 países. Com o aquecimento global reduzindo as fontes de água doce, a tecnologia de transformar o mar em água potável avançou 10% ao ano, alcançando inclusive o Brasil.
O caso do Brasil: Crescimento de 189%
O Brasil não está apenas observando a tendência; ele faz parte da vanguarda da América do Sul. Entre 2010 e 2025, o país registrou um salto impressionante na produção de água dessalinizada.
- Produção atual: O país já processa 1,4 bilhão de litros por dia.
- Espírito Santo: Referência no uso industrial, onde siderúrgicas utilizam o mar para preservar os reservatórios de água doce para a população.
- Ceará e São Paulo: Projetos em Fortaleza e Ilhabela focam no consumo humano direto, adaptando-se às novas realidades climáticas e geográficas.
- Desafios de infraestrutura: A polêmica em Fortaleza sobre a proximidade de cabos submarinos de internet mostrou que a expansão exige planejamento urbano rigoroso.
Por que a água doce está sumindo?
A crise hídrica atual não é apenas fruto de má gestão, mas de um desequilíbrio matemático entre oferta e demanda.
- A escassez real: Embora 67% da Terra seja coberta por água, apenas 0,5% é doce e acessível.
- Déficit próximo: Relatórios da ONU indicam um possível déficit de 40% na oferta global de água já em 2030.
- Fatores de pressão: O aumento das temperaturas globais e o crescimento populacional (previsto para 9,7 bilhões em 2050) tornam as fontes tradicionais, como rios e aquíferos, insuficientes.
Como a ciência transforma o mar em água potável
Existem dois caminhos principais para remover o sal da água, cada um com suas aplicações específicas:
1. Osmose reversa: O método mais moderno e eficiente. A água é empurrada sob alta pressão contra membranas que filtram o sal e as impurezas.
2. Dessalinização térmica: O método clássico de destilação. A água é aquecida até evaporar e o vapor, livre de sal, é condensado de volta ao estado líquido.
Viabilidade econômica e democratização
A tecnologia tornou-se mais barata, permitindo que países em desenvolvimento também adotem a solução.
- Queda de custos: Desde 1970, o custo de produção caiu cerca de 90%.
- Energia solar: A combinação de usinas com painéis fotovoltaicos está tornando o processo viável em áreas remotas onde a rede elétrica é precária.
- Pequena escala: Organizações como a WaterAid têm focado em mini-usinas para comunidades rurais, tratando água salobra (menos salgada que o mar), o que custa menos que grandes plantas costeiras.
O dilema ambiental: O peso da salmoura
Nem tudo são soluções perfeitas. O maior obstáculo da indústria hoje é o que fazer com os resíduos do processo.
- Resíduo tóxico: Para cada litro de água limpa, gera-se 1,5 litro de salmoura — um líquido hipersalgado e carregado de produtos químicos como cloro e cobre.
- Impacto marinho: O descarte incorreto cria "zonas mortas" no oceano, matando corais e alterando ecossistemas locais.
- O próximo passo: Cientistas buscam agora formas de minerar essa salmoura para extrair minerais valiosos, transformando o resíduo em um novo subproduto econômico.
O futuro é azul (e salgado)
A dessalinização deixou de ser uma ficção tecnológica para se tornar a coluna vertebral da segurança hídrica no século 21. Em um mundo onde os rios não garantem mais o amanhã, a capacidade de converter o oceano em sustento define quais nações prosperarão e quais enfrentarão o colapso. O Brasil, ao expandir sua infraestrutura em quase 200%, sinaliza que o país despertou para essa realidade: a abundância de água doce é um privilégio do passado, mas a tecnologia é a nossa apólice de seguro para o futuro.
