Os brasileiros são viciados em açucar? Uma relação doce e perigosa explicada

O Brasil é um país marcado por uma paixão inconfundível por doces, desde o tradicional brigadeiro até as recentes "febres" como o morango do amor. Essa preferência não é casual: está enraizada em séculos de história, influências culturais e hábitos alimentares únicos. Mas o que explica essa relação tão intensa com o açúcar? A resposta envolve desde a colonização portuguesa até a industrialização e o papel social do doce na cultura brasileira.
A herança histórica do açúcar no Brasil
- Origem global da cana-de-açúcar: A cana-de-açúcar, matéria-prima do açúcar, surgiu na Papua Nova Guiné há cerca de 10 mil anos e chegou ao Brasil via Portugal, que a cultivou em larga escala a partir do século 16.
- Colonização e economia açucareira: O Brasil tornou-se um dos maiores produtores mundiais de açúcar durante o período colonial, utilizando mão de obra escravizada. Entre 1583 e 1587, apenas Pernambuco produzia quase 3 mil toneladas anuais.
- Influência na culinária: O açúcar substituiu o mel em receitas tradicionais, como o manjar branco, e misturou-se às técnicas portuguesas, indígenas e africanas, criando uma doçaria única.
O papel do leite condensado na cultura doceira
- Revolução industrial: No século 20, o leite condensado surgiu como um produto versátil e acessível, presente em 94% dos lares brasileiros (dados da Nestlé/Kantar Ibope, 2020).
- Marketing e hábitos: Inicialmente promovido como substituto do leite materno (sem embasamento científico), o produto ganhou espaço nas receitas de sobremesas, como brigadeiros e mousses, graças a campanhas que destacavam sua praticidade e sabor.
- Função social: Como destacou o antropólogo Gilberto Freyre, o doce no Brasil simboliza afeto e celebração, sendo parte integrante de rituais sociais, como visitas e festas.
Comparação internacional: Os doces brasileiros são mais doces?
Exemplos emblemáticos:
- O bolo de cenoura brasileiro leva o dobro de açúcar da versão inglesa (carrot cake).
- O pudim de leite nacional tem mais açúcar que o francês.
- O brigadeiro, feito com leite condensado (55g de açúcar/100g), é uma invenção tipicamente brasileira e extremamente adocicada.
Paladar acostumado: O brasileiro tende a preferir sobremesas mais úmidas e doces, como o pão de mel recheado, em contraste com versões secas e menos açucaradas de outros países.
O consumo atual e seus impactos na saúde
- Dados alarmantes: O brasileiro consome em média 80g de açúcar por dia (18 colheres de chá), 50% acima do limite da OMS (50g/dia). Isso coloca o país entre os maiores consumidores globais, ao lado de EUA e México.
- Fontes ocultas: Além do açúcar adicionado a bebidas (café, sucos), 60% do consumo vem de alimentos processados, como bolachas e refrigerantes.
- Riscos à saúde: O excesso está associado a obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares, problemas em ascensão no Brasil.
Equilíbrio entre tradição e saúde
- Redução gradual: Nutricionistas sugerem diminuir o açúcar nas receitas aos poucos, sem substituí-lo por adoçantes artificiais, para adaptar o paladar.
- Valorização de sabores naturais: Redescobrir o gosto original dos ingredientes, como frutas e laticínios, pode ajudar a reduzir a dependência do açúcar.
- Consumo consciente: A chave não é eliminar os doces, mas moderar sua frequência e quantidade, especialmente em produtos ultraprocessados.
Açúcar como identidade e desafio
O amor do brasileiro pelo açúcar é um reflexo de sua história, cultura e hábitos alimentares. Desde os engenhos coloniais até as sobremesas contemporâneas, o doce se tornou um símbolo de afeto e celebração. No entanto, o consumo excessivo exige atenção, já que os impactos na saúde são inegáveis. Encontrar um equilíbrio entre preservar tradições e adotar práticas mais saudáveis é o caminho para manter o prazer à mesa sem comprometer o bem-estar. Como afirma a nutricionista Daniela Canella: "O segredo está na moderação e na reeducação do paladar."