"Seguiu o dinheiro e abalou a máfia" - As lições da Itália para o Brasil enfrentar o crime organizado
O enfrentamento ao crime organizado transcende a esfera policial, configurando-se como uma batalha política e de Estado que exige persistência, inteligência e integridade. A experiência da Itália contra a máfia, em especial a Cosa Nostra, oferece um rico manancial de estratégias que se revelam cruciais para a realidade brasileira no combate às facções criminosas.
A revolução estratégica: O "método Falcone"
A espinha dorsal da vitória italiana reside na abordagem desenvolvida pelo magistrado Giovanni Falcone, cujo legado transformou o combate à criminalidade de alto nível, focando em suas estruturas econômicas e políticas:
Prioridade ao rastreamento financeiro – Follow the Money:
- O crime organizado é essencialmente uma estrutura econômica. Falcone provou que, ao invés de focar apenas em drogas e armas (bens efêmeros), a investigação deve perseguir o dinheiro.
- O objetivo é mapear detalhadamente os fluxos financeiros, a lavagem de capitais e a infiltração na economia legal, fornecendo provas irrefutáveis para desmantelar e condenar a cúpula criminosa.
O uso político da colaboração premiada:
- A estratégia envolve a utilização controlada e protegida de membros arrependidos ("pentiti") para obter informações internas da estrutura e hierarquia das organizações.
- Um sistema robusto de proteção de testemunhas é um imperativo de Estado para garantir que as delações atinjam o alto escalão do crime.
Articulação interinstitucional como política de Estado:
- O sucesso requer a cooperação contínua e eficaz entre o Judiciário, o Ministério Público e as Forças Policiais, atuando de forma integrada.
- Essa união evita ações isoladas e ineficazes, garantindo a continuidade das investigações e a perseguição penal a longo prazo.
Integridade e independência: O escudo do Estado:
- O método só é viável em um contexto de total independência e integridade dos agentes públicos.
- É politicamente crucial combater a infiltração da máfia no aparelho estatal, erradicando a cumplicidade de policiais, políticos e burocratas corruptos que blindam e protegem as organizações criminosas.
Diretrizes políticas e estratégicas para o Brasil
A transposição das lições italianas para o contexto brasileiro não é uma mera cópia, mas oferece diretrizes políticas para fortalecer a luta contra as facções:
Da reação à inteligência financeira:
- A principal mudança de paradigma é a priorização política da investigação patrimonial sobre operações espetaculares de força bruta.
- O foco deve ser quebrar a cadeia de lavagem de dinheiro, rastrear empresas de fachada e desmantelar o coração financeiro do crime, afetando sua capacidade logística e operacional.
A continuidade como estratégia de Estado:
- O combate ao crime organizado exige uma estratégia de longo prazo que não pode estar sujeita às mudanças de governo ou interesses políticos momentâneos.
- Requer a criação de uma estrutura institucional robusta e um planejamento contínuo que transcenda mandatos.
A retomada política do território:
- O enfraquecimento do poder territorial das facções se dá pela presença permanente e benéfica do Estado (e não apenas da polícia).
- Isso implica a combinação de repressão qualificada com a oferta urgente de políticas públicas, serviços e oportunidades para "retomar" os espaços dominados pelo crime.
A complexidade da inclusão social:
- Reconhecer que, no Brasil, o crime organizado muitas vezes floresce em um vácuo de poder e exclusão social (a "geografia da pobreza") é fundamental.
- As estratégias repressivas, por mais inteligentes que sejam, devem ser indissociáveis de políticas sociais urgentes que diminuam a vulnerabilidade que alimenta o recrutamento das facções.
A lição italiana é um espelho implacável: A máfia não foi erradicada, mas forçada a migrar para crimes de colarinho branco, provando que o combate é uma luta contínua de adaptação. Para o Brasil, a mensagem é categórica: o "Método Falcone" oferece a sintaxe da vitória, um modelo de sucesso centrado na inteligência financeira, na integridade irrevogável dos agentes públicos e na colaboração institucional. A solução política exige, portanto, mais do que importar táticas, mas sim inspirar-se nesses princípios para forjar um modelo próprio, combinando a repressão qualificada e cirúrgica contra o capital criminoso com a inadiável inclusão social e o fortalecimento pleno do Estado de Direito em cada centímetro do território nacional.
