O tiro que saiu pela culatra: Como tarifa "Made in Brazil" pressiona a economia dos EUA - Análise resumida
Uma das leis mais fundamentais da economia é a de que toda ação gera uma reação. Quando um governo impõe barreiras comerciais para proteger a sua indústria doméstica, pode, inadvertidamente, desencadear uma cadeia de efeitos que volta para assombrar os seus próprios cidadãos. Esta é exatamente a história que se desenrola entre os Estados Unidos e o Brasil, onde tarifas comerciais agressivas, concebidas como um escudo, transformaram-se em uma lança que perfura o bolso do consumidor americano. O cenário central desta narrativa económica envolve dois produtos icónicos do Brasil: o café e a carne.
O aumento inflacionário do café nos Estados Unidos
O café é uma matéria-prima global e um ritual diário para milhões de americanos. No entanto, os Estados Unidos dependem quase inteiramente de importações para sustentar esse hábito, importando 99% de todo o café consumido no país. Nesse mercado, o Brasil não é apenas um fornecedor, é o maior fornecedor mundial, uma posição histórica e estrutural.
- A pressão das tarifas: Sobre esses grãos brasileiros, foi imposta uma tarifa de 50%. Isto significa que os importadores americanos precisam pagar ao governo dos Estados Unidos um valor adicional equivalente a metade do preço do café ao comprá-lo do Brasil.
- O efeito no varejo: Conforme dados do Departamento de Estatísticas do Trabalho dos Estados Unidos (BLS), essa política teve um impacto direto e dramático nas prateleiras dos supermercados. Nos últimos 12 meses, o café instantâneo, amplamente abastecido pelo Brasil, liderou a inflação no varejo americano com um aumento chocante de 21,7%. Imediatamente atrás, o café torrado e moído subiu 18,9%.
- A contração do fornecimento: A consequência lógica foi uma contração nas importações. Dados setoriais mostram que a importação de café do Brasil caiu 52,8% em setembro de 2025, comparado ao mesmo período do ano anterior, antes da imposição das tarifas. Com o principal fornecedor sendo drasticamente restringido, a oferta diminuiu e os preços, inevitavelmente, subiram.
O drama duplo enfrentado pela carne americana
A carne bovina é outro produto que sentiu o peso das tarifas, mas a sua situação é mais complexa, envolvendo tanto fatores políticos quanto ambientais.
- A pressão das tarifas na carne brasileira: O Brasil é um dos maiores exportadores de carne do mundo, e os cortes importados pelos Estados Unidos são frequentemente utilizados para a produção de carne moída, a base de hambúrgueres e outros pratos populares. Com a tarifa de 50%, o preço deste produto essencial disparou. A carne para assado subiu 18,4%, os bifes 16,6% e a carne moída 12,9% no último ano.
- A crise interna dos pecuaristas americanos: Paradoxalmente, os produtores de gado dos Estados Unidos, que teoricamente seriam beneficiados pela proteção tarifária, também enfrentam uma crise profunda. O rebanho nacional é o menor em cinquenta anos. Secas severas e outras mudanças climáticas degradaram os pastos, aumentando os custos com alimentação suplementar para o gado. Para cobrir essas despesas, muitos pecuaristas tiveram que vender parte do rebanho reprodutor, comprometendo a capacidade de recuperação futura.
A tempestade política e as pressões contraditórias
Este cenário económico criou uma tempestade política perfeita para o governo Trump.
- Discurso oficial Versus Realidade: O Presidente Trump defendeu as tarifas, afirmando nas redes sociais que são a razão pela qual os pecuaristas "estão indo bem, pela primeira vez em décadas". No entanto, esta afirmação é veementemente contestada pelo próprio setor, que sofre com os custos de produção elevados e a oferta reduzida de animais.
- A inconsistência e a ira dos fazendeiros: A frustração dos pecuaristas americanos intensificou-se com a decisão da Casa Branca de quadruplicar a cota de importação de carne da Argentina com impostos reduzidos. Esta medida foi vista como uma contradição, pois beneficia um concorrente estrangeiro enquanto os produtores locais lutam para sobreviver.
- O peso do consumidor e eleitor: No centro deste impasse está o consumidor americano, que é também um eleitor. O aumento de preços de itens básicos do dia a dia, como café e carne moída, gera insatisfação directa na população. A pressão inflacionária, portanto, não é apenas um indicador económico, mas uma força política poderosa que pode inclinar a balança de decisões.
O círculo vicioso da inflação "Made in Brazil"
A inflação "Made in Brazil" que pressiona o governo Trump é, na verdade, um fenômeno com DNA amplamente americano. As tarifas impostas com o objetivo de fortalecer a economia doméstica criaram um círculo vicioso: elas encareceram as importações cruciais de café e restringiram o abastecimento de carne num momento de crise interna de produção. O resultado é uma inflação galopante em itens de consumo massivo. Esta situação coloca a administração perante um dilema complexo: manter uma política comercial agressiva que inflige dor económica directa aos seus cidadãos, ou ceder à pressão dos supermercados, dos consumidores e, fundamentalmente, das urnas, revogando ou alterando as medidas. O episódio serve como um caso de estudo claro sobre como as barreiras comerciais, em uma economia globalizada e interdependente, podem gerar efeitos colaterais severos e inesperados dentro de casa.
