A promessa de retaliação de Trump: Até onde vai o poder presidencial para perseguir inimigos?
O retorno de Donald Trump à Casa Branca trouxe consigo uma promessa que redefiniu o cenário político americano: a de retaliação contra aqueles que considera seus adversários. Nove meses após a posse, essa promessa saiu do campo retórico para a ação, levantando questões cruciais sobre o poder presidencial, a resiliência das instituições e o futuro da democracia nos Estados Unidos. O presidente age com uma visão de governo que prioriza o confronto direto com o chamado "estado profundo" e a grande imprensa.
A estratégia em ação: O mosaico da retaliação
A administração Trump tem implementado diversas frentes de pressão, desafiando normas estabelecidas há décadas:
Instrumentalização do departamento de justiça:
- Exigência de processos: Trump tem demandado publicamente que a procuradora-geral processe adversários políticos específicos, como o ex-diretor do FBI James Comey, a procuradora de Nova York Letitia James e o senador Adam Schiff.
- Nomeações polêmicas: A nomeação de uma ex-advogada pessoal de Trump para liderar o caso contra Comey, resultando em seu indiciamento, é vista por especialistas como um uso sem precedentes do poder judicial por motivação pessoal.
Ofensiva contra a imprensa e críticos:
- Batalha judicial e ameaças: O presidente trava uma guerra aberta contra veículos de comunicação, acusando-os de "fake news". Isso inclui processos judiciais bilionários contra jornais como The New York Times e The Wall Street Journal, e a ameaça de revogar concessões de canais de televisão críticos.
- Perseguição a dissidentes: A administração tem voltado sua mira contra escritórios de advocacia adversários, cancelando contratos e autorizações de segurança. Além disso, críticos-chave, como o ex-conselheiro de segurança nacional John Bolton, tiveram suas casas e escritórios revistados pelo FBI, sinalizando uma perseguição a vozes dissonantes.
Uso político de ordens executivas:
- A ordem executiva sobre "terrorismo doméstico", embora justificada por atos de violência, tinha um texto amplo o suficiente para que Trump sugerisse usá-la para investigar "pessoas ricas" que financiam "agitadores", mencionando nominalmente o bilionário George Soros.
O debate central: Duas realidades em confronto
As ações de Trump são analisadas sob lentes históricas e políticas opostas, moldando a compreensão do momento atual:
O alerta histórico:
- Paralelos com Watergate: Especialistas traçam um paralelo com o escândalo de Watergate. A exigência de Richard Nixon para que o Departamento de Justiça perseguisse oponentes, quando revelada, gerou um clamor bipartidário e culminou em sua renúncia.
- A "nova normalidade": A diferença reside na reação atual. Ações similares de Trump, hoje, são frequentemente tratadas como parte do ciclo normal de notícias, indicando uma mudança no que é considerado politicamente aceitável.
As justificativas da administração (A visão da "justiça corretiva"):
- O presidente e seus aliados defendem as medidas como uma resposta necessária e urgente a anos de perseguição política.
- Eles argumentam que Trump foi alvo de indiciamentos e condenação durante o governo anterior, e que a "coalizão Maga" é vítima de um "establishment". A repressão é, portanto, vista como uma correção de rumo e restauração da justiça.
O risco de autoritarismo (A visão da crítica):
- Os críticos veem nas ações componentes de um "retrocesso democrático" — um processo gradual de transformação em autocracia.
- Institutos de pesquisa apontam tendências preocupantes nos EUA, como a expansão do poder executivo e a intimidação de críticos, identificando nas medidas de Trump as "estratégias clássicas dos autocratas".
A luta de narrativas: O confronto de projetos de país
O cerne do debate é uma divergência profunda sobre a identidade e os riscos que os EUA enfrentam, traduzida em duas narrativas principais:
1. A narrativa de Trump e a luta existencial:
- Esta visão posiciona os Estados Unidos e a civilização ocidental sob grave ameaça de uma cultura esquerdista, migração em massa e um governo abusivo. A luta é enquadrada como existencial, uma batalha para "salvar o Ocidente".
2. A narrativa de Biden e a defesa da democracia:
- Em contraste, essa visão define a era atual como uma luta entre nações democráticas e autoritárias. O risco não é a destruição da civilização ocidental, mas a erosão da democracia a partir de dentro e a sua substituição por modelos autocráticos.
Um teste em tempo real para a democracia
- A promessa de retaliação de Donald Trump tornou-se um princípio operacional de seu governo, e a pergunta sobre os limites do poder presidencial está sendo respondida em tempo real. A combinação de um presidente disposto a expandir agressivamente os poderes do cargo, uma base de apoiadores que legitima estas ações e um quadro legal que inclui uma recente decisão da Suprema Corte que amplia a imunidade presidencial cria um terreno fértil para uma concentração de poder sem precedentes.
Embora as instituições democráticas e figuras de resistência demonstrem força, o ritmo acelerado e a normalização de medidas antes impensáveis sugerem que a fronteira do aceitável foi permanentemente alterada. O desfecho deste embate definirá a saúde da democracia constitucional americana nas próximas décadas.
