"Bandido Bom é Bandido Morto": Raízes, Poder Político e o Paradoxo da Violência
A frase bandido bom é bandido morto é um poderoso condensador de uma filosofia de segurança pública linha-dura, que prioriza a força letal do Estado como principal resposta ao crime. Sua história é um reflexo das tensões sociais, do medo e da desumanização.
A raiz genocida: Um slogan de extermínio
A expressão brasileira é uma adaptação direta de um provérbio nascido nos conflitos de fronteira dos EUA no século XIX, que visava a aniquilação de um povo:
- Origem americana: A frase original é "O único índio bom é um índio morto". Ela emergiu em um contexto de guerra de extermínio contra os povos nativos americanos, vistos como um obstáculo à expansão e à "civilização".
- Atribuição e significado: Embora frequentemente atribuída ao General Philip Sheridan, historiadores destacam que a essência da frase que a morte é a condição desejável para o "inimigo" serviu como um slogan de batalha com uma "diabólica genialidade", justificando moralmente a destruição de grupos inteiros ao desumanizá-los.
A adaptação e a estrutura da violência no Brasil
Essa lógica desumanizadora foi importada e adaptada à realidade brasileira, voltando-se contra grupos marginalizados:
- Evolução do "inimigo": Segundo especialistas, a lógica de extermínio se aplicou inicialmente aos povos originários e, com a urbanização no século XX, foi redirecionada para minorias e grupos criminalizados. No Rio de Janeiro, a figura do "criminoso" evoluiu de malandro e vagabundo para "o bandido" (anos 70/80), consolidando-se como o traficante (anos 90).
- A difusão policial: O bordão ganhou força no Brasil durante a Ditadura Militar (pós-1964), com a estruturação de grupos de extermínio dentro das polícias. O delegado e futuro político Sivuca (Scuderie Detetive Le Cocq) foi um dos grandes difusores da expressão a partir de 1965.
A ascensão política e a força do medo urbano
O bordão se consolidou como uma plataforma eleitoral de sucesso durante o processo de redemocratização, capitalizando o medo e a frustração social:
- Instrumento eleitoral: Figuras como Sivuca e Afanásio Jazadji usaram a frase em campanhas com grande sucesso, sendo eleitos para cargos legislativos. A expressão oferece uma solução simples e emocional para a complexa violência urbana.
- A simbiose poder-crime: A cientista política Mayra Goulart aponta que a frase se transformou em um projeto político que levou à ascensão de integrantes de grupos de extermínio e milícias a cargos eletivos, especialmente no Rio de Janeiro.
- A nacionalização do discurso: Esse pensamento foi amplificado e nacionalizado com a ascensão do bolsonarismo, que aprofundou a oposição entre o "cidadão de bem" e o "bandido" e prometeu "carta branca" às polícias.
O apoio social e o paradoxo da não-solução
O suporte a essa ideologia violenta continua alto, revelando um profundo desespero social com a segurança pública:
- Aprovação da letalidade: Pesquisas de opinião demonstram que o apoio a políticas letais é majoritário. Por exemplo, a Operação Contenção no Rio de Janeiro, a ação policial mais letal da história do país, foi aprovada por mais da metade dos cariocas e dos brasileiros, refletindo a preocupação com a segurança.
Análise dos especialistas:
- O historiador Lucas Pedretti explica que o apoio social a uma polícia violenta é compatível com um "regime de medo", no qual o autoritarismo e a busca por soluções duras crescem.
- Mayra Goulart complementa que, impulsionado pelo medo e pela desconfiança nas instituições, o apoio a ações letais não se restringe à direita conservadora, mas alcança parte do eleitorado progressista.
O paradigma da eliminação: A persistência da frase não está em sua eficácia comprovada para reduzir a criminalidade, mas em seu poder de oferecer uma resposta emocional e simplista ao complexo problema da violência, repetindo a lógica de desumanização e extermínio que marca a história brasileira.
