Conteúdo verificado
terça-feira, 11 de novembro de 2025 às 10:27 GMT+0

Extermínio e voto: Como o slogan "bandido bom é bandido morto" molda políticas públicas e a ascensão de milícias no Brasil

A frase "bandido bom é bandido morto" é um poderoso condensador de uma filosofia de segurança pública linha-dura, que prioriza a força letal do Estado como principal resposta ao crime. Sua história é um reflexo das tensões sociais, do medo e da desumanização.

A raiz genocida: Um slogan de extermínio

A expressão brasileira é uma adaptação direta de um provérbio nascido nos conflitos de fronteira dos EUA no século XIX, que visava a aniquilação de um povo:

  • Origem americana: A frase original é "O único índio bom é um índio morto". Ela emergiu em um contexto de guerra de extermínio contra os povos nativos americanos, vistos como um obstáculo à expansão e à "civilização".
  • Atribuição e significado: Embora frequentemente atribuída ao General Philip Sheridan, historiadores destacam que a essência da frase que a morte é a condição desejável para o "inimigo" serviu como um slogan de batalha com uma "diabólica genialidade", justificando moralmente a destruição de grupos inteiros ao desumanizá-los.

A adaptação e a estrutura da violência no Brasil

Essa lógica desumanizadora foi importada e adaptada à realidade brasileira, voltando-se contra grupos marginalizados:

  • Evolução do "inimigo": Segundo especialistas, a lógica de extermínio se aplicou inicialmente aos povos originários e, com a urbanização no século XX, foi redirecionada para minorias e grupos criminalizados. No Rio de Janeiro, a figura do "criminoso" evoluiu de malandro e vagabundo para "o bandido" (anos 70/80), consolidando-se como o traficante (anos 90).
  • A difusão policial: O bordão ganhou força no Brasil durante a Ditadura Militar (pós-1964), com a estruturação de grupos de extermínio dentro das polícias. O delegado e futuro político Sivuca (Scuderie Detetive Le Cocq) foi um dos grandes difusores da expressão a partir de 1965.

A ascensão política e a força do medo urbano

O bordão se consolidou como uma plataforma eleitoral de sucesso durante o processo de redemocratização, capitalizando o medo e a frustração social:

  • Instrumento eleitoral: Figuras como Sivuca e Afanásio Jazadji usaram a frase em campanhas com grande sucesso, sendo eleitos para cargos legislativos. A expressão oferece uma solução simples e emocional para a complexa violência urbana.
  • A simbiose poder-crime: A cientista política Mayra Goulart aponta que a frase se transformou em um projeto político que levou à ascensão de integrantes de grupos de extermínio e milícias a cargos eletivos, especialmente no Rio de Janeiro.
  • A nacionalização do discurso: Esse pensamento foi amplificado e nacionalizado com a ascensão do bolsonarismo, que aprofundou a oposição entre o "cidadão de bem" e o "bandido" e prometeu "carta branca" às polícias.

O apoio social e o paradoxo da não-solução

O suporte a essa ideologia violenta continua alto, revelando um profundo desespero social com a segurança pública:

  • Aprovação da letalidade: Pesquisas de opinião demonstram que o apoio a políticas letais é majoritário. Por exemplo, a Operação Contenção no Rio de Janeiro, a ação policial mais letal da história do país, foi aprovada por mais da metade dos cariocas e dos brasileiros, refletindo a preocupação com a segurança.

Análise dos especialistas:

  • O historiador Lucas Pedretti explica que o apoio social a uma polícia violenta é compatível com um "regime de medo", no qual o autoritarismo e a busca por soluções duras crescem.
  • Mayra Goulart complementa que, impulsionado pelo medo e pela desconfiança nas instituições, o apoio a ações letais não se restringe à direita conservadora, mas alcança parte do eleitorado progressista.

O paradigma da eliminação: A persistência da frase não está em sua eficácia comprovada para reduzir a criminalidade, mas em seu poder de oferecer uma resposta emocional e simplista ao complexo problema da violência, repetindo a lógica de desumanização e extermínio que marca a história brasileira.

Estão lendo agora

Viagem no tempo: 8 perguntas para o seu Eu futuro - Moldando escolhas, desvendando mistériosImagine-se diante de um portal luminoso, capaz de transportá-lo para um encontro surpreendente: você, em um futuro dista...
TV Box pirata é crime? Prisão ou prejuízo? O alerta da Anatel sobre BTV, UniTV e GatonetAs recentes operações internacionais e nacionais (como a Operação 404 da Polícia Federal) têm derrubado serviços popular...
Filmes de guerra: Os melhores da história, características e onde assistir - Lista atualizada 2025Filmes de guerra são muito mais do que cenas de combate; eles são portais para momentos cruciais da história, oferecendo...
Robô humanoide ataca funcionários na China: Falha no código ou risco real da IA? Entenda o caso do "Unitree H1"Nos últimos dias, um vídeo se espalhou rapidamente pelas redes sociais e gerou grande repercussão ao mostrar um robô hum...
MSN Messenger: O que aconteceu com o ícone das conversas dos anos 2000?O MSN Messenger, ou Windows Live Messenger, foi um dos aplicativos de mensagem mais icônicos do início dos anos 2000. Co...
O ralo dos bilhões: Por que o Brasil deixa de arrecadar 4 vezes o orçamento do Bolsa Família?O governo federal deixará de arrecadar uma quantia bilionária em função de isenções, subsídios e benefícios tributários....
Microssonecas: Entendendo os breves momentos de sono e suas implicaçõesAs microssonecas, breves períodos de sono que podem durar apenas alguns segundos, têm despertado crescente interesse dev...
Mega da virada 2025 com prêmio de 1 bilhão: Quais as reais chances de ganhar segundo a matemáticaA Mega da Virada consolidou-se como o maior evento das Loterias Caixa, mobilizando milhões de brasileiros na última noit...
Implante de silicone: Quais os riscos reais? Entenda "contratura, pippling" e como prevenirA cirurgia de implante de silicone nas mamas é um procedimento seguro e comum, mas, como qualquer intervenção cirúrgica,...
Você controla ou é controlado por suas emoções? Técnicas comprovadas para evitar reações impulsivasLidar com as emoções pode ser um grande desafio, mas compreender seu funcionamento pode ajudar a usá-las a seu favor, em...
Netflix em Setembro: Da luta Canelo vs. Crawford a clássicos inesquecíveis - Lançamentos da semana (08-14/09)A plataforma de streaming Netflix constantemente revitaliza o seu catálogo semanalmente, oferecendo novas opções de entr...
Letra de médico: Por que é tão ruim? A neurociência explica a caligrafia ilegível e como melhorar sua escritaA expressão "letra de médico" virou sinônimo de caligrafia ilegível, motivando até leis no Brasil para exigir receitas d...