Café e tarifas: A conversa que agitou a diplomacia entre Lula e Trump

A histórica videoconferência entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, realizada em 6 de outubro, foi além da cordialidade diplomática. No centro da conversa, que durou cerca de 30 minutos em tom amistoso, estava um tema que tocou diretamente no cotidiano do consumidor americano: o alto preço do café.
A videoconferência marcou uma nova fase de aproximação entre os líderes, iniciada na Assembleia Geral da ONU em setembro. O principal foco foi a economia e o comércio, com o lado americano solicitando a chamada. Ambos concordaram em realizar um encontro pessoal em breve.
O 'tarifaço' e a confissão de Trump
O ponto de virada da conversa foi a admissão de Donald Trump sobre o impacto de sua própria política comercial:
- A confissão: Trump reconheceu que os Estados Unidos estão "sentindo falta" de alguns produtos brasileiros, citando especificamente o café.
- A causa: Essa declaração está diretamente ligada à tarifa extra de 50% imposta por seu governo a uma série de exportações brasileiras, popularmente conhecida como "Tarifaço".
- Efeito imediato: A tarifa impactou de forma severa as importações americanas de café do Brasil, que é o maior fornecedor do produto para os EUA.
O posicionamento amistoso de Trump
Apesar da rigidez de sua política comercial, a postura de Trump durante a videoconferência foi de abertura e cordialidade, indicando um interesse em resolver as tensões e aprofundar a relação:
- Tom da conversa: A chamada de 30 minutos foi descrita como tendo um tom amistoso, focada em economia e comércio.
- Reconhecimento pessoal: O presidente americano havia comentado anteriormente sobre a "química excelente" entre eles, indicando que a relação pessoal era um fator na reaproximação.
- Mensagem pública: Ao final da conversa, Trump postou em sua rede social que teve uma "ótima conversa" e que os países "se darão muito bem juntos", reforçando o desejo de uma aliança mais forte e cooperativa.
O preço do café bate recorde nos EUA
A tarifa agravou uma alta de preços já existente, atingindo o bolso do consumidor americano com força recorde:
- Maior alta mensal em 14 anos: Em agosto, primeiro mês da tarifa, o preço do café para o consumidor subiu 3,6%, a maior alta mensal em 14 anos e nove vezes superior à inflação média do período.
- Inflação anual em disparada: No acumulado anual, o preço do café registra uma inflação de 20,9%, a maior desde 1997, enquanto a inflação geral americana ficou em 2,9%.
- O veredito da mídia: Grandes veículos de comunicação dos EUA atribuíram essa escalada de preços a dois fatores principais: problemas climáticos na produção global e, crucialmente, o impacto da tarifa sobre os cafés brasileiro e colombiano.
A estratégica dependência americana do café
Para entender a força desse impacto, é essencial saber que os EUA são o país que mais importa e consome café no mundo:
- Hábito enraizado: Dois terços dos adultos americanos consomem, em média, três xícaras de café por dia, e o consumo continua a crescer.
- Quase 100% de importação: Por ser uma cultura tropical, o café praticamente não é cultivado nos EUA. Isso significa que as 450 milhões de xícaras consumidas diariamente dependem de fornecedores externos.
- A força do Brasil: O Brasil, maior produtor mundial, é um fornecedor estratégico, respondendo por cerca de um terço de todo o café consumido pelos americanos.
O baque nas exportações brasileiras
A tarifa de 50% gerou um impacto negativo e imediato no fluxo comercial entre os países:
- Queda geral: As vendas totais do Brasil para os EUA caíram 20,3% em setembro, na comparação anual.
- Colapso no café: O setor cafeeiro foi um dos mais atingidos. A quantidade de café exportada para os EUA despencou quase pela metade (-47%), com uma queda de 31,5% em valores.
- Déficit comercial: Enquanto as exportações brasileiras caíram, as importações dos EUA aumentaram. Isso resultou em um déficit comercial de
US$ 1,77 bilhão
para o Brasil em setembro, ponto levantado por Lula na conversa.
A agenda diplomática de Lula
Além de solicitar o fim do "Tarifaço" e equilibrar a balança comercial, o Presidente Lula aproveitou a videoconferência para abordar outras questões sensíveis:
- Vistos e sanções: Lula pediu a retirada de medidas restritivas aplicadas a autoridades brasileiras, incluindo a cassação de vistos e sanções financeiras contra o Ministro do STF, Alexandre de Moraes.
- Relações amigáveis: O presidente brasileiro enfatizou a importância de restaurar as relações de longa data entre os dois países, lembrando que o Brasil é um dos países do G20 com quem os EUA mantêm superávit comercial.
Lições essenciais do caso
Este episódio diplomático-comercial serve como um estudo de caso sobre a economia global e as relações de poder:
- Conexão direta entre tarifa e inflação: A decisão comercial dos EUA teve um efeito bumerangue, impactando a inflação e o custo de vida da sua própria população de forma imediata.
- Interdependência inegável: O caso evidencia que, mesmo sendo a maior economia do planeta, os EUA dependem de commodities essenciais de nações como o Brasil para o seu dia a dia.
- Diplomacia e commodities: O preço de um produto básico, como o café, pode se tornar o eixo central de discussões diplomáticas de alto nível, influenciando o futuro das relações bilaterais.
O desfecho dessa negociação, que agora será tratada por assessores de ambos os lados, será um termômetro importante para a relação futura entre os dois maiores países das Américas.