Indicação de Lula ao STF: As polêmicas visões de Jorge Messias sobre autoritarismo do Judiciário e regulação da internet
O advogado-geral da União, Jorge Messias, foi indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em substituição ao ministro Luís Roberto Barroso. A indicação agora segue para sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e votação em plenário.
Abaixo, apresentamos uma análise detalhada sobre o pensamento jurídico e político de Messias, baseada em sua recente produção acadêmica e atuação na AGU.
Visão de Estado e "ultraliberalismo" (2016-2022)
Em sua tese de doutorado defendida na Universidade de Brasília (UnB), Messias analisa a história recente do país sob uma ótica crítica aos governos pós-PT.
- O conceito de ultraliberalismo: O indicado classifica o período entre 2016 e 2022 (governos Temer e Bolsonaro) como uma fase de "ultraliberalismo", marcada pela desestruturação institucional e baixa capacidade do Estado de intervir na economia.
- Crítica às reformas: Ele descreve a reforma da previdência como "draconiana" e aponta o enfraquecimento deliberado dos sindicatos e a desregulamentação do mercado de trabalho.
- Diagnóstico econômico: Para Messias, esse período colocou a "acumulação primitiva" (como mineração e agropecuária predatória) como eixo central, resultando em aumento do desmatamento e violação de direitos de populações tradicionais.
- Reconstrução: Ele defende que o terceiro mandato de Lula representa um esforço para superar a "armadilha da estagnação econômica" e reconstruir a capacidade estatal.
O papel do STF e do Judiciário
A relação de Messias com a Corte é marcada por uma dualidade: críticas ao passado e defesa da instituição no presente.
- Críticas históricas: Messias reconhece que, entre 2012 e 2018, a esquerda criticou duramente o STF por um suposto "conservadorismo e autoritarismo", apontando uma atuação partidarizada que teria prejudicado o PT e os movimentos sociais (citando a prisão de Lula).
- Defesa da Instituição: Contudo, ele avalia que a autoridade do STF foi posteriormente atacada por "movimentos autoritários" (bolsonarismo).
- Atuação recente: O indicado elogia a Corte por ter estancado o que chama de "abusos da Lava Jato" e por ter agido como barreira contra ameaças golpistas.
- Judicialização da política: Messias prevê que o STF continuará tendo protagonismo central, dado que a polarização ideológica tende a levar as grandes questões nacionais para decisão no Judiciário.
Big Techs, redes sociais e desinformação
Um dos pontos de destaque em seu pensamento é a visão crítica sobre as grandes empresas de tecnologia.
- Monopólios digitais: Messias classifica empresas como Google, Meta (Facebook/Instagram) e X (antigo Twitter) como monopólios que impedem a competição econômica.
- Poder político das plataformas: Ele argumenta que essas empresas usam seus vastos recursos para financiar estratégias políticas e manter posições privilegiadas.
- Desinformação como arma: O autor afirma que a internet reduziu o custo da mentira como arma política, impulsionada por algoritmos que favorecem o viés de confirmação e a polarização.
- Necessidade de regulação: Defende iniciativas globais de regulação para combater a concentração econômica e o "vale-tudo" na internet.
Advocacia-geral da União e "sociedade de risco"
O trabalho acadêmico de Messias, intitulado "O Centro do Governo e a AGU: estratégias de desenvolvimento do Brasil na sociedade de risco global", foca no papel estratégico da advocacia pública.
- Sociedade de risco: Utilizando o conceito do sociólogo Ulrich Beck, ele refere-se a ameaças globais como mudanças climáticas, pandemias e desigualdade tecnológica.
- Estado forte: Defende que apenas um Estado forte e bem estruturado juridicamente (via AGU) é capaz de responder a esses desafios modernos e implementar estratégias de desenvolvimento.
- Gestão da pandemia: Critica a gestão do governo Bolsonaro durante a crise da Covid-19, citando os custos sociais e econômicos do "negacionismo ambiental e sanitário".
Análise: Indicação política e independência
A escolha de um nome próximo ao governo levanta debates sobre a independência do futuro ministro. O professor Álvaro Palma de Jorge (FGV Direito Rio) oferece as seguintes perspectivas:
- Critério de escolha: A afinidade pessoal e a visão de mundo similar são critérios naturais para qualquer presidente. Lula busca evitar nomeações que, no passado, resultaram em ministros que votaram contra seus interesses.
- Filtro do Senado: A indicação precisa ser "palatável" ao Senado. Nomes sem adesão política tendem a ser barrados, o que força um equilíbrio na escolha.
- Notável saber jurídico: Este requisito constitucional é subjetivo. Títulos acadêmicos não são o único medidor; a experiência prática em cargos de alta relevância (como a chefia da AGU) é considerada prova de competência técnica.
- Independência pós-posse: A história do STF mostra que, uma vez no cargo (que é vitalício até a aposentadoria compulsória), os ministros ganham autonomia e frequentemente tomam decisões contrárias aos presidentes que os indicaram. O ministro não atua como "empregado" do Executivo.
A indicação de Jorge Messias ao STF transcende a mera substituição de uma cadeira; ela simboliza a ascensão de uma doutrina jurídica que reposiciona o Estado como protagonista central do desenvolvimento. Ao levar para a Corte a crítica frontal ao "ultraliberalismo" e o ímpeto regulatório sobre as Big Techs, Messias sinaliza um Supremo potencialmente mais interventor na economia e rígido com o poder digital. Sua trajetória no tribunal será definida pela capacidade de equilibrar essa visão de mundo alinhada ao governo Lula com a necessária independência institucional que o cargo vitalício impõe.
