Joseph Stiglitz: Entenda por que Nobel de Economia classificou ações de Trump contra o Brasil como "chantagem"

O economista Joseph Stiglitz, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001 e ex-economista-chefe do Banco Mundial, classificou como “chantagem” a decisão do ex-presidente norte-americano Donald Trump de impor tarifas de 50% a produtos brasileiros e sanções ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em entrevista à BBC News Brasil, Stiglitz foi direto: essas medidas não possuem base legal sólida e refletem uma tentativa de intimidação política e desrespeito ao Estado de Direito internacional.
A origem do confronto
Em julho, Donald Trump anunciou a criação de tarifas contra produtos brasileiros, alegando retaliação por julgamentos envolvendo Jair Bolsonaro e a atuação da Justiça brasileira frente a plataformas digitais. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos impuseram sanções ao ministro Alexandre de Moraes, responsável por processos contra o ex-presidente brasileiro. A justificativa para tais medidas foi amplamente criticada como uma distorção da Lei Magnitsky, tradicionalmente usada para punir violações graves de direitos humanos.
A resposta brasileira e o elogio de Stiglitz
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu duramente, afirmando que Trump não foi eleito "imperador do mundo". Apesar de críticas internas no Brasil sobre sua postura considerada "combativa", Stiglitz aplaudiu Lula por manter firmeza frente ao que considera “bullying internacional”. Segundo ele, “o que Lula fez foi o único e o mais estratégico caminho possível”.
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Stiglitz elogiou ainda a recusa brasileira de ceder às pressões, defendendo que a soberania nacional e o Estado de Direito são inegociáveis. Ele ressaltou que líderes mundiais deveriam se inspirar na coragem de Lula, principalmente diante de um presidente norte-americano que não respeita acordos e age fora da legalidade.
Impactos nos EUA e no mundo
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O economista afirma que as tarifas impostas por Trump prejudicam sobretudo os consumidores americanos, encarecendo produtos e afetando a própria economia dos Estados Unidos. Em sua visão, tais medidas são parte de um “jogo de perde-perde”, em que todos perdem, mas os EUA perdem mais.
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Além disso, ele reforça que acordos feitos com Trump não têm credibilidade, pois o presidente os ignora quando já não lhe servem. Para Stiglitz, os tratados com países e blocos como União Europeia, Canadá e México são frágeis e, muitas vezes, usados apenas como tréguas momentâneas.
O vínculo entre Trump e Bolsonaro
- Stiglitz apontou que o apoio de Trump a Bolsonaro é motivado por afinidade ideológica e prática entre dois líderes que, segundo ele, violaram princípios democráticos e tentaram subverter processos legítimos de transição de poder em seus países. O economista relembrou o episódio de 6 de janeiro nos EUA e o 8 de janeiro no Brasil como demonstrações preocupantes de insurreições lideradas por grupos que se colocam “fora da lei”.
A crise institucional e a pressão sobre a democracia
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O Nobel alertou para a erosão de instituições democráticas, tanto nos Estados Unidos como no cenário global. A falta de ação firme por parte do Congresso e do Judiciário americano frente aos abusos de Trump é, para ele, um risco para a ordem democrática internacional.
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Stiglitz expressou preocupação com a submissão de setores acadêmicos e científicos diante de pressões políticas. Ao comentar sua experiência atual na Universidade Columbia, nos EUA, ele descreveu um ambiente de ataque à liberdade acadêmica e aos valores do Iluminismo, o que considera assustador.
O papel do Brasil e sua autonomia
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Para o economista, o Brasil tem condições de resistir ao domínio das grandes empresas de tecnologia apoiadas por Trump. Com competência tecnológica e capacidade política, o país pode criar suas próprias plataformas digitais e regular essas empresas de forma soberana, como já faz a Europa com sua Lei de Serviços Digitais.
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Ele vê como positiva a tendência do Brasil de se aproximar mais da China e da Europa, argumentando que os Estados Unidos estão, por sua própria postura, perdendo espaço como parceiro econômico confiável. A tentativa de impor uma nova guerra fria com a China estaria sendo mal conduzida por Washington, ao adotar estratégias que afastam aliados e parceiros comerciais.
Possíveis desdobramentos e risco de escalada
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Stiglitz afirma que a situação entre Brasil e EUA pode piorar, dada a imprevisibilidade de Trump. Ele acredita que o Brasil está certo em diversificar seus laços comerciais e buscar maior independência frente a um governo instável. A aproximação com a China e outros mercados emergentes é, segundo ele, uma resposta natural à perda de confiabilidade dos EUA como parceiro.
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A entrevista com Joseph Stiglitz revela muito mais do que uma análise econômica: trata-se de uma crítica profunda ao uso político de tarifas comerciais e sanções por líderes autoritários. Stiglitz defende a soberania do Brasil, elogia sua postura firme e alerta para os perigos de se negociar com líderes que não respeitam acordos, leis ou instituições.
O economista ressalta que, ao enfrentar Trump, Lula não apenas protegeu o Brasil, mas deu um exemplo de coragem política num mundo cada vez mais pressionado por autoritarismos e chantagens globais. Em sua visão, o futuro das democracias depende justamente de líderes que se recusem a ceder à intimidação e que se posicionem com firmeza em defesa do Estado de Direito.