Terrorismo ou crime organizado? Legislação antiterror - Prós e contras de equiparar facções criminosas no Brasil
O debate sobre segurança pública no Brasil atingiu um ponto crítico após a intensa operação policial no Rio de Janeiro (outubro de 2025), reacendendo a discussão no Congresso Nacional sobre a equiparação de facções criminosas como o PCC e o Comando Vermelho a organizações terroristas.
Para desvendar as complexidades dessa proposta, a BBC News Brasil entrevistou Michael Miklaucic, especialista americano em segurança nacional e crimes transnacionais, atualmente na USP. Sua análise é clara: a medida é arriscada, mas potencialmente necessária diante da ameaça à soberania nacional.
A perspectiva do especialista: O Estado em risco e a soberania ameaçada
Miklaucic, ex-Departamento de Estado dos EUA, argumenta que em situações extremas, o Estado deve considerar todas as ferramentas disponíveis.
- Avaliação da ameaça: O especialista é enfático ao afirmar que
"O Estado está ameaçado e em risco". A capacidade das facções de controlar territórios e operar transnacionalmente é vista como um ataque direto à soberania. - A necessidade de proporcionalidade: As penalidades aplicadas devem ser proporcionais à gravidade deste ataque fundamental contra o Estado.
Vantagens potenciais da redesignação
A principal motivação para classificar facções como terroristas reside no maior poder de ação concedido ao Estado:
- Arcabouço legal mais forte: A medida forneceria uma base jurídica mais ampla e poderosa, facilitando investigações, interceptações financeiras e operações de segurança.
- Sinalização de seriedade máxima: A classificação é um ato simbólico e jurídico poderoso, demonstrando a máxima seriedade do Estado no combate a essas organizações e permitindo a aplicação de leis e penas mais severas.
Os riscos e dilemas inerentes à proposta
Apesar dos benefícios táticos, Miklaucic impõe uma série de advertências cruciais sobre os perigos da medida:
1. Equilíbrio delicado com direitos civis:
- Há um "equilíbrio muito delicado" a ser mantido. A expansão do poder estatal no combate ao crime não pode, sob nenhuma hipótese, levar à erosão das liberdades e garantias individuais dos cidadãos.
2. Risco de ingerência estrangeira:
- A classificação pode abrir precedentes para intervenção militar ou sanções econômicas por parte de potências estrangeiras, especialmente os EUA. Miklaucic considera esse risco "calculado", afirmando que sanções seriam contraproducentes e qualquer intervenção militar não convidada seria um erro.
3. Fuga de estratégias fracassadas:
É fundamental inovar e evitar a repetição de erros:
- Encarceramento em massa: Apenas superlota presídios.
- Decapitação de lideranças: Simplesmente abre espaço para novos chefes.
Lacunas estruturais do Brasil no combate ao crime
A solução não está apenas na lei. Miklaucic aponta falhas sistêmicas que o Brasil precisa enfrentar urgentemente:
- Cooperação transnacional deficiente: O crime opera globalmente com agilidade, mas a cooperação jurídica e policial entre países é lenta e burocrática.
- Falta de integração doméstica: O sistema de segurança sofre com a descoordenação entre jurisdições (municipal, estadual, federal) e entre agências de inteligência e polícia. É crucial investir em todas as esferas e promover a comunicação efetiva.
- Combate à "zona cinzenta" e Fluxos Financeiros: As ações devem mirar não apenas os "soldados" nas ruas, mas toda a cadeia de apoio. É vital responsabilizar advogados, contadores e profissionais de TI que lavam dinheiro e dão suporte técnico ao crime.
Frentes de ação: Educação e conscientização
Duas áreas de educação são essenciais para fortalecer o Estado:
1. Capacitação ética de servidores: Prevenção constante contra a corrupção dentro do próprio sistema.
2. Conscientização social: Informar a sociedade sobre os danos profundos do crime organizado à soberania e ao tecido social.
Uma encruzilhada estratégica
A proposta de redesignação é uma resposta extrema a uma ameaça extrema. A decisão do Brasil definirá o equilíbrio entre segurança e liberdade, e a forma como o país gerencia sua soberania em um cenário geopolítico tenso.
- É um risco calculado:
Miklaucic conclui: "Existem riscos envolvidos, mas o país está ameaçado e, para mitigar a situação, é preciso arriscar."
- Não é solução única: A lei, por si só, não é mágica. Ela deve ser o ponto de partida para reformas estruturais profundas: integração de inteligência, combate à corrupção financeira e cooperação internacional robusta.
O veredito político: Soberania sob teste
A decisão de classificar facções como terroristas não é meramente uma questão de segurança, mas um ato político e estratégico que redefine a relação do Estado brasileiro com a violência organizada. Ao considerar essa medida radical, o Congresso confronta um dilema central: sacrificar a cautela dos direitos civis em nome de ferramentas de guerra contra uma ameaça que já desafia a soberania nacional. O futuro do Brasil, portanto, será moldado não só pela eficácia das novas leis, mas pela inteligência com que os líderes políticos equilibrarem o combate implacável ao crime com a preservação do Estado de Direito democrático.
