Cogumelos mágicos no Brasil: A batalha judicial que pode legalizar ou criminalizar definitivamente

Uma recente operação policial, batizada de "Psicose", reacendeu um debate jurídico, científico e social sobre a legalidade dos "cogumelos mágicos" no Brasil. A ação, que gerou apreensões e prisões, é o ponto alto de uma disputa legal que pode acabar sendo resolvida pela mais alta corte do país: o Supremo Tribunal Federal (STF).
O ponto central da controvérsia: O fungo vs. A substância
A raiz da disputa legal está na ambiguidade da lei. A Portaria 344/98 da Anvisa, que lista substâncias controladas, não proíbe o cogumelo Psilocybe cubensis diretamente. No entanto, as substâncias psicoativas que ele contém a psilocibina e a psilocina estão expressamente proibidas.
- O argumento da defesa: Para os vendedores e defensores, a venda do cogumelo in natura (o fungo inteiro) não é crime, pois a lei não o proíbe nominalmente. O que seria ilegal é a extração e venda das substâncias puras. A defesa usa uma interpretação literal e restrita da lei.
- A posição do Ministério Público e da Polícia: Para as autoridades, o fato de as substâncias proibidas estarem presentes no cogumelo, com a intenção de causar efeitos alucinógenos, já é suficiente para caracterizar o crime de tráfico. Eles defendem uma interpretação baseada na finalidade do produto.
O papel decisivo do STJ e a operação "Psicose"
A operação "Psicose" não foi um evento isolado. Ela foi uma resposta direta à decisão histórica do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que consolidou um entendimento crucial para o cenário jurídico.
- O precedente do STJ: Em agosto de 2025, o tribunal confirmou a condenação por tráfico de um homem que vendia os cogumelos online. A decisão equiparou o cultivo e a venda do cogumelo com fins alucinógenos ao crime de tráfico de drogas.
- O caso concreto: O condenado, Fábio Hoff, usava termos como "viagem intensa" e oferecia uma "calculadora mágica" em seu site. Para a Justiça, isso provou a intenção de vender uma experiência alucinógena, e não um produto inofensivo. Essa decisão forneceu a base legal para a operação policial.
O próximo nível do debate: A jornada para o STF
A história não acaba no STJ. A defesa de Fábio Hoff já anunciou que levará a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF), a última instância do Judiciário brasileiro.
- Por que a decisão do STF é tão importante? O Supremo tem o poder de definir uma tese de repercussão geral, estabelecendo uma regra definitiva que acabará com a atual insegurança jurídica e definirá de uma vez por todas se o comércio do cogumelo in natura é crime ou não.
- Novos argumentos em jogo: No STF, a discussão vai além do tecnicismo jurídico. A defesa planeja apresentar evidências de pesquisas científicas internacionais que apontam para o uso medicinal da psilocibina no tratamento de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático. A comparação com o avanço da Cannabis medicinal no Brasil será um ponto-chave, argumentando que a proibição total impede o avanço da saúde pública.
A grande questão: Uso recreativo vs. Uso medicinal
O debate ganha força com a dualidade de uso da substância.
- Uso recreativo e riscos: Autoridades alertam para o consumo em festas e os riscos de acidentes e overdoses, já que a substância altera a percepção de espaço e tempo.
- Uso medicinal e potencial terapêutico: Defensores e cientistas argumentam que, assim como a maconha, o potencial terapêutico dos psicodélicos é subestimado. Eles criticam o preconceito que associa a substância apenas ao uso recreativo, ignorando os benefícios para a saúde que precisam de mais pesquisa e regulamentação.
A Operação "Psicose" é um sintoma de um debate global que chegou ao Brasil. De um lado, temos a interpretação atual da lei, reforçada pelo STJ, que considera a venda dos cogumelos como tráfico. Do outro, há um movimento que busca uma distinção entre o fungo e a substância pura, além de argumentar em favor da liberdade individual e do potencial medicinal. Com o caso caminhando para o STF, o Brasil se prepara para um dos debates mais complexos e significativos sobre política de drogas das próximas décadas.