O incômodo de Paris: "Pipi Sauvage" e as soluções criativas da cidade-luz contra o xixi nas ruas - Uma batalha secular

Conhecida mundialmente como a cidade-luz e capital do amor, Paris enfrenta um problema incômodo e antigo que desafia sua imagem romântica: o "pipi sauvage" ou "xixi selvagem"
. Esse hábito de urinar em espaços públicos deixa um rastro de mau cheiro e poluição em becos, estações de metrô e monumentos históricos. A prefeitura da cidade, buscando solucionar a questão, tem adotado uma série de medidas ao longo dos anos, que vão da fiscalização à arte.
Origens da Luta: Uma brequilha de 200 Anos
A batalha de Paris contra o "xixi selvagem" não é recente. A cidade tem tentado combater o problema por mais de dois séculos, com algumas soluções que se tornaram parte de sua história urbana.
- Século XIX e a revolução dos urinóis: As primeiras tentativas de dissuasão incluíram a instalação de "barras-xixi", estruturas de ferro que bloqueavam as esquinas. No entanto, a grande inovação veio em 1840, quando o prefeito de Paris, Claude-Philibert Barthelot, instalou os primeiros urinóis públicos, que ficaram conhecidos como "vespasienne".
- O fim dos urinóis e o início da modernidade: Na década de 1960, a Assembleia Nacional francesa decidiu remover os "vespasienne" por serem vistos como pontos de encontro impróprios. Em 1981, a cidade instalou seu primeiro banheiro público unissex, iniciando um novo capítulo na oferta de infraestrutura sanitária. Hoje, a capital francesa é líder europeia em banheiros públicos por quilômetro quadrado.
Estratégias criativas: De tintas repelentes à arte de rua
Apesar da ampla disponibilidade de banheiros, o problema persistiu, levando a prefeitura a buscar abordagens inovadoras e até polêmicas.
- O contra-ataque das tintas: Muros e calçadas em áreas de grande incidência de "pipi sauvage" receberam um revestimento especial. Essa tecnologia repele os líquidos, fazendo com que a urina espirre de volta em quem a pratica.
- Arte como dissuasão: Em uma das estratégias mais bem-sucedidas, a prefeitura instalou murais coloridos em pontos escondidos de estações de trem, como a Gare de Lyon. A intervenção artística elimina a sensação de anonimato, que é um dos fatores que incentivam o ato, e resultou em uma redução de 80% dos incidentes nas áreas onde foi aplicada.
- Urinóis ecológicos: Outra medida ousada foram os
"uritrottoirs"
, mictórios ao ar livre com palha que transformam a urina em adubo. No entanto, a solução gerou críticas por ser visualmente ofensiva e por atender apenas o público masculino, o que levou grupos feministas a vandalizarem algumas unidades.
As raízes culturais e a perspectiva dos parisienses
O problema do "pipi sauvage" vai muito além da falta de banheiros. Um estudo do psicólogo comportamental Nicolas Fieulaine aponta para fatores culturais e tabus.
- Marcar território: Para Fieulaine, o ato de urinar em público é uma forma de "marcar território" que reflete uma sensação de liberdade masculina sobre o espaço urbano. Além disso, ele aponta para um tabu cultural francês em torno da higiene, que dificulta a discussão aberta sobre fluidos corporais.
- Arte inusitada: Para muitos parisienses, o "pipi sauvage" é uma realidade cotidiana. Alguns, como o cineasta Edwart Vignot, encontraram uma maneira peculiar de lidar com a questão. Ele fotografa as manchas de urina seca, enxergando nelas formas abstratas que ele trata como obras de arte amadoras.
Por que a questão é relevante?
A persistência do "pipi sauvage" não é apenas um incômodo, mas uma questão de múltiplos impactos na cidade.
- Saúde pública: A urina nas ruas representa um risco sanitário, contribuindo para a proliferação de bactérias e mau cheiro.
- Gestão urbana: O problema exige investimento contínuo do governo em limpeza, fiscalização e novas tecnologias, impactando o orçamento público.
- Imagem e turismo: Para uma cidade que vive do turismo, o problema mancha sua imagem de elegância e pode afetar a experiência dos visitantes.
Uma batalha contínua
A luta de Paris contra o "pipi sauvage" mostra que não há uma solução única para o problema. O embate envolve aspectos culturais e comportamentais complexos, exigindo a combinação de investimento em infraestrutura, fiscalização consistente e campanhas de educação. A cidade-luz, portanto, continua sua busca por uma solução duradoura para esse secular e incômodo problema.