Racismo estrutural: A cor da violência e a urgência antirracista que o Brasil precisa - Não tornar espetáculo ou militância e sim luta legítima
 
 O artigo da pesquisadora Leilane Menezes Rodrigues, "Pornografia da Morte: O Brasil que Naturaliza e Celebra Imagens de Violência Racial," oferece uma análise histórica e social sobre como a brutalidade contra corpos negros é sistematicamente transformada em um espetáculo que dessensibiliza a sociedade e perpetua o racismo.
O peso de um olhar: O grito contra a banalização
A pesquisa é enquadrada por um ato de resistência de mães negras, separadas por sete décadas e dois continentes, que exigem que o mundo testemunhe a violência infligida a seus filhos:
- 1955 (EUA): Mamie Till-Mobley exige que o caixão de seu filho Emmett Till seja aberto para que "o mundo veja o que fizeram com meu filho".
- 2025 (Brasil): Uma mãe negra, na maior chacina do país (Complexo do Alemão/Penha), ordena: "Removam o lençol" sobre o corpo de seu filho.
Esses momentos de dor e coragem levantam a questão central da análise: o que acontece quando o mundo, de fato, olha? O artigo demonstra que a exposição dessas imagens pode ser um mecanismo social perverso que, em vez de gerar justiça, banaliza o sofrimento e reforça as estruturas de dominação racial.
Por que este tema é crucial?
A análise histórica da "pornografia da morte" é essencial para compreender a violência racial no Brasil contemporâneo:
- Decifrar reações sociais: A genealogia da violência espetacularizada ajuda a explicar fenômenos atuais, como os comentários celebratórios encontrados em redes sociais após chacinas. Essa satisfação não é um evento isolado, mas o ápice de um processo de dessensibilização de longa data.
- A função da mídia hegemônica: A pesquisa revela que a grande imprensa atua como uma "ponte" que simbolicamente associa a negritude à criminalidade. Ao superexpor o negro como violento, ela enfraquece o apoio popular a movimentos por igualdade racial e fortalece o apelo por medidas punitivas severas.
- Entender a dessensibilização em rede: Com a ascensão das redes sociais, a dessensibilização ganhou escala global. O conteúdo que antes estava em revistas e na TV agora circula nos smartphones, normalizando a representação de policiais como heróis e de corpos negros mortos como "desviantes que merecem seu destino".
A genealogia do espetáculo: Da ilustração ao vídeo viral
A naturalização da violência, segundo a pesquisa, é um projeto secular da mídia brasileira:
Século XIX: O espetáculo para o entretenimento
- Publicações como a "Semana Ilustrada" já se referiam a linchamentos como "espetáculos".
- Ilustrações de corpos negros pendurados eram casualmente dispostas ao lado de cartuns humorísticos, apagando o contexto da violência e normalizando a antinegritude.
Século XX: A comercialização da violência
- Revistas policiais, como "Vida Policial", substituíram ilustrações por fotografias, comercializando uma versão "mais realista" da brutalidade.
- Homens negros eram retratados como "inimigos criminosos" e "bestiais".
- A exibição de corpos inertes funcionava como um troféu e um mecanismo de vigilância. Um exemplo gritante é a publicação de fotos de acusados (em sua maioria negros) com pseudônimos racistas como "Luiz Sujo".
Século XXI: O circo de horrores no satélite
- Essa linhagem culmina nos programas policialescos de televisão, como "Brasil Urgente", que se tornam uma "marcha fúnebre que entorpece a sociedade".
- A mídia se rende ao sensacionalismo, transformando a cobertura policial em um "circo de horrores transmitido por satélite".
"A violência não tem cor, mas o alvo preferencial dela tem sido historicamente racializado. Não podemos obrigar ninguém a abandonar o racismo em seu coração, mas temos a responsabilidade inadiável de parar de naturalizar o palco onde ele se apresenta: a criminalização da população negra. Entender que ninguém nasce racista, mas é moldado pelo veneno social, exige de nós uma luta antirracista que seja justa, implacável e, acima de tudo, que jamais se permita ser banalizada."
A trágica "pornografia da morte" não é um acaso, mas sim a dolorosa culminação de um longo e ininterrupto esforço midiático para associar corpos e vidas negras à violência e a um castigo "merecido", entorpecendo a sensibilidade da sociedade. No entanto, o artigo nos lembra que a esperança e a humanidade residem na resistência silenciosa e poderosa das comunidades: enquanto a grande imprensa ecoa velhos padrões ao noticiar a morte como estatística, são as vozes independentes e negras, como a "Voz das Comunidades", que se recusam a desumanizar, resgatando a história e a dignidade de quem se foi. Essa é a lição mais profunda: a verdadeira libertação floresce ao nutrir e dar espaço a essas contra-narrativas, que são capazes de romper simbolicamente com o espetáculo da dor e, finalmente, interromper este ciclo secular de violência.
