Serial killer de Guarulhos: A história de Ana Paula e o caso do bolo envenenado que chocou o Brasil
O caso de Ana Paula Veloso Fernandes, inicialmente vista como vítima de ameaças e posteriormente identificada como a principal suspeita de quatro homicídios por envenenamento, transformou-se em um dos enigmas criminais mais comentados do país. A investigação, conduzida pela Polícia Civil de Guarulhos, revela um padrão de manipulação e frieza que desafiou as técnicas investigativas tradicionais.
A virada na investigação: De vítima a suspeita
A investigação começou com uma denúncia de ameaça, mas o comportamento da suposta vítima, a estudante de Direito Ana Paula Veloso Fernandes, rapidamente desviou o foco dos policiais:
- Ponto inicial: Em abril de 2025, um bolo supostamente envenenado foi deixado na Universidade de Guarulhos (UNG), acompanhado de um bilhete ameaçador direcionado, entre outros, a Ana Paula.
- Sinais atípicos: Ana Paula passou a frequentar a delegacia com frequência incomum, detalhando perseguições e sugerindo conexões com a morte recente de uma amiga. Seu conhecimento jurídico e preocupação excessiva foram cruciais para despertar a suspeita dos investigadores.
A teia de conexões: Ligando mortes "naturais"
O rastreamento de um telefone usado nas ameaças revelou a primeira peça do quebra-cabeça, ligando Ana Paula a uma morte previamente tida como natural:
- Vínculo fatal: O celular de ameaças estava registrado em nome de Maria Aparecida Rodrigues, que havia morrido em abril. A investigação descobriu que Maria Aparecida esteve na casa de Ana Paula, onde consumiu bolo e café, pouco antes de falecer.
- Estratégia policial: A polícia reabriu o caso e adotou uma abordagem discreta. A equipe manteve a proximidade com Ana Paula para que ela se sentisse à vontade e não percebesse que era a principal suspeita.
O padrão de envenenamento e as quatro vítimas
Ao analisar o histórico da suspeita, a polícia descobriu um padrão de mortes por envenenamento em um curto espaço de tempo:
Vítima 1: Marcelo Hari Fonseca (Janeiro/2025)
- Relação: Proprietário do imóvel alugado por Ana Paula.
- Fato chave: Ana Paula confessou tê-lo matado (após discussão/para tomar posse do imóvel). Ela teria queimado o sofá onde o corpo foi encontrado para destruir vestígios.
Vítima 2: Maria Aparecida Rodrigues (Abril/2025)
- Relação: Amiga, com quem Ana Paula tinha uma relação de cunho romântico.
- Fato chave: Morte por envenenamento, com o objetivo de incriminar terceiros, incluindo um ex-amante da suspeita, usando o celular da vítima.
Vítima 3: Neil Corrêa da Silva (Abril/2025)
- Relação: Pai de uma amiga (Michele Paiva da Silva).
- Fato chave: Crime executado no Rio de Janeiro mediante promessa de recompensa de R$ 4 mil, a mando da filha da vítima. O corpo foi exumado para exames toxicológicos.
Vítima 4: Hayder Mhazres (Maio/2025)
- Relação: Conhecido via aplicativo de encontros (Tunisiano).
- Fato chave: Morto após consumir um milkshake. O crime teria sido planejado após Hayder rejeitar uma falsa gestação simulada pela suspeita. Ana Paula forneceu endereço incorreto ao socorro.
Evidências finais e o envolvimento de cúmplices
As buscas e análises digitais trouxeram as provas decisivas e revelaram o envolvimento de outras pessoas:
- As provas: Em julho, a Polícia Civil prendeu Ana Paula e encontrou em sua casa o Terbufós (inseticida altamente tóxico, similar ao "chumbinho").
- Confissões e testes: Ana Paula confessou os assassinatos de Marcelo e Neil. Em depoimento, admitiu ter matado pelo menos 10 cachorros com veneno para testar os efeitos do produto.
- O código "TCC" e a irmã: Mensagens recuperadas implicaram a irmã gêmea de Ana Paula, Roberta Cristina Veloso Fernandes, presa em agosto. Elas usavam o código "TCC" (Trabalho de Conclusão de Curso) para se referir aos assassinatos, tratando sobre a cobrança de R$ 4 mil por crime.
- Outra prisão: Michele Paiva da Silva, filha de Neil Corrêa da Silva, foi presa por suspeita de ter contratado e patrocinado a execução do pai.
O processo judicial e os argumentos da defesa
O inquérito foi concluído com o indiciamento de Ana Paula, e a Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público, dando início à ação penal:
- Acusação: Ana Paula foi denunciada por quatro homicídios qualificados, sendo descrita pela polícia como uma "criminosa contumaz, com alto grau de frieza" e um perigo à ordem pública. A polícia e o juiz a classificaram como uma
"serial killer". - Defesa: O advogado de defesa nega a classificação de serial killer, alegando que Ana Paula
"não tem inteligência para ser"uma. A defesa contesta as confissões, afirmando que são relativas, e nega qualquer participação da irmã Roberta nos crimes. O processo aguarda o resultado das exumações para confirmação do envenenamento.
O caso de Ana Paula Veloso Fernandes transcende a esfera de um crime comum, consolidando-se como um marco na investigação brasileira de crimes em série. A transformação da estudante de Direito de suposta vítima ameaçada a articuladora fria de homicídios por veneno, auxiliada pela própria irmã e agindo por motivações que variam de ganância a vingança expõe uma complexidade psicológica raramente vista. Enquanto a polícia e a Justiça a definem como uma serial killer, cuja liberdade representa uma ameaça concreta à sociedade, a defesa aponta para a fragilidade de confissões e aguarda os exames de exumação. Este enigma, tecido por doses letais de veneno, códigos secretos e manipulação implacável, ilustra o triunfo da persistência investigativa e forense, mas deixa a questão central: Qual será o veredito final para a mulher acusada de ter transformado a vida e a morte em seu próprio "Trabalho de Conclusão de Curso"? O caso, agora nas mãos do Tribunal do Júri, continuará a ser um estudo de como a dissimulação humana pode desafiar os limites do Direito Penal.
