O ralo dos bilhões: Por que o Brasil deixa de arrecadar 4 vezes o orçamento do Bolsa Família?
O governo federal deixará de arrecadar uma quantia bilionária em função de isenções, subsídios e benefícios tributários. O estudo da Unafisco diferencia o gasto tributário total daquilo que classifica como privilégios tributários, benefícios concedidos sem uma contrapartida social clara para a população.
Valores:
- Gasto tributário total estimado:
R$ 903,3 bilhões. - Privilégios tributários (Beneficiam os mais ricos):
R$ 618,4 bilhões. - Comparativo: Este valor equivale a quase quatro vezes o orçamento do Bolsa Família previsto para o mesmo ano
(R$ 158 bilhões).
Os maiores "privilégios" na mira dos especialistas
O estudo destaca itens que pesam no orçamento, mas que favorecem majoritariamente as camadas de alta renda e setores específicos da economia:
- Isenção de lucros e dividendos: Mesmo com a nova reforma do Imposto de Renda (que prevê taxação de 10%), o Brasil ainda cobra menos sobre essa renda do que sobre os salários (que chegam a 27,5%). Perda estimada:
R$ 146,1 bilhões. - Imposto sobre grandes fortunas (IGF): A não regulamentação deste imposto (previsto na Constituição de 1988) impede a arrecadação de aproximadamente
R$ 100,5 bilhões. - Programas de parcelamento (Refis): A cultura de renegociar dívidas com descontos generosos estimula empresas a não pagarem impostos no prazo. O impacto negativo projetado é de
R$ 43,9 bilhões. - Simples nacional para médias empresas: O benefício focado em empresas com faturamento entre
R$ 1,8 milhão e R$ 4,8 milhõesé questionado, pois estas não geram empregos na mesma proporção que as microempresas. Custo:R$ 35,7 bilhões. - Zona franca de Manaus: Política de incentivos com quase 60 anos de existência que carece de avaliações técnicas recentes sobre sua eficácia social. Custo:
R$ 35 bilhões. - Cesta básica para alta renda: A isenção de impostos sobre itens da cesta básica para quem tem alto poder aquisitivo representa uma perda de
R$ 30,1 bilhões.
O debate sobre saúde e educação
Um ponto controverso são as deduções de gastos com saúde e educação no IRPF.
- Embora a Unafisco não as classifique diretamente como "privilégios" devido à deficiência dos serviços públicos, pesquisadores do Insper apontam que essa medida torna o sistema regressivo. Isso ocorre porque apenas as famílias mais ricas, que pagam planos de saúde e escolas particulares, conseguem abater esses valores do imposto, enquanto os mais pobres dependem exclusivamente do sistema público sem receber qualquer benefício fiscal equivalente.
Barreiras para a mudança
A principal dificuldade em reduzir essas renúncias e redirecionar os recursos para áreas sociais é a pressão política.
- Grupos de interesse: Setores beneficiados possuem forte influência no Congresso Nacional e conseguem blindar seus subsídios.
- Exceções na lei: Emendas constitucionais que tentaram limitar os benefícios fiscais a 2% do PIB acabaram excluindo os itens mais caros da conta (como Simples Nacional e Zona Franca), dificultando o controle do gasto.
A manutenção desses privilégios tributários revela uma escolha política clara: o Estado brasileiro abre mão de quase quatro orçamentos do Bolsa Família para sustentar isenções que não geram emprego nem reduzem desigualdades. Enquanto o debate sobre o corte de gastos foca no social, o verdadeiro ralo de recursos públicos permanece protegido pela influência de grupos de interesse, perpetuando um sistema onde quem ganha mais, contribui proporcionalmente menos para o desenvolvimento do país.
